No escaldante sábado, dia 8 de março, presenciei momentos de encher a alma. Caminhos que sintetizam que as soluções para amenizar os contextos de desgraça – isso para quem enxerga e sabe o significado do que estamos passando – passam por nos fortalecermos. Dar musculatura para a sustentabilidade das nossas relações, saindo das telas, indo para o olho no olho.
Estive no workshop promovido pela Santa Sede, uma iniciativa que promove a escrita de crônicas de várias formas, que está completando 15 anos em 2025. A princípio, a ideia é que um pequeno grupo – que caiba em uma mesa de até nove pessoas – escreva, leia e comente seus textos e de outros. Se você é letrado, talvez não ache isso nada demais.
Mas pra mim, que tenho acompanhado de perto esse mundo das redes sociais, da dificuldade das pessoas em fazer uma interpretação de texto e convivo com um adolescente e seus amigos que não têm o hábito da leitura, achei bárbaro. Escrevo sobre a Santa Sede porque só a conhecia superficialmente por amigas que tinham participado de oficinas e de coletâneas.
Os números dessa empreitada impressionam, pois são fruto de energia de gente de carne e osso, sem qualquer envolvimento governamental ou de patrocínios. O criador do negócio altamente disruptivo, fora da curva, é o polímata Rubem Penz. O cara, que conheci pessoalmente no sábado, tem um entusiasmo que merece ser consagrado por diversos motivos.
Rubem sintetiza seu currículo. Escracha aquilo que os coaches, personal brandings exaltam que todo profissional de sucesso precisa, as tais soft skills e versatilidade. “Fui professor de Educação Física em vidas passadas – e digo que dominar mais de trinta pré-adolescentes libertos da sala de aula prepara qualquer um para o impossível”. Ele também trabalhou com redação publicitária, “um espaço profissional no qual, se houver talento, estudos formais deixam de ser decisivos”. “E, por conjunturas da vida, durante 15 anos estive numa fábrica de antenas.” E foi só perto dos 40 anos que voltou a escrever. “Depois de minha primeira oficina literária, cursei diversas, viram que meu lugar era do outro lado do balcão.” Ele ainda é músico 100% autodidata e participa de um quarteto de jazz e música instrumental há 38 anos.
15 anos de crônicas de botequim
No sábado, dia 8 de março, foi lançado o livro Santa Sede, 15 anos de crônicas de botequim: relatos crônicos de quem fez (e faz) parte dessa mesa, organizado por Giancarlo Carvalho, Rubem Penz e Maria Lúcia Meireles. A publicação feita a muitas mãos pincela momentos insólitos que marcam a trajetória da iniciativa que já rendeu mais de 180 oficinas, a participação de uns 1.300 cronistas e cerca de nove mil crônicas escritas! O trabalho já gerou 48 livros publicados, sendo que 32 só pelo selo Santa Sede!
Isso demonstra a potência da nossa inteligência social. De uma capital que já teve Coordenação de Livro e Literatura, Concursos de Poemas nos Ônibus e no Trem, entre outras coisas que foram apagadas pelas últimas administrações municipais de Porto Alegre. E evidencia também o quanto há gente e instituições que vendem soluções porque sabem usar os segundos para vender seu peixe, mas que o que é bom, de fato, não está sendo impulsionado por algoritmos. Tem muita vida inteligente que não engorda as contas das big techs. A propaganda do Santa Sede é o boca a boca, pelo que percebi.
Li o livro, além de outras coletâneas, e fiquei com a sensação tipo: mas como ainda não fiz uma oficina? Fiquei encantada com a crônica da Soraia Schmidt que termina com a frase: ‘Sede que nos salva de não se afogar nesse assombro que é o viver, só pode ser santa, não é mesmo?’
E o mais paradoxal foi viver aquela tarde e o início da noite em meio a um contexto de explícito desmonte de ambientes de promoção da cultura. Na sala onde foi realizada a aula magna do cronista do d´O Globo, Eduardo Affonso, um ventilador não deu conta de espantar o calor. Isso no finado Centro Cultural Érico Verissimo, da CEEE, que hoje chama Espaço Força e Luz.
Os participantes, ou melhor, as participantes (a maior parte era feminina), esbaforidas, ficaram animadas que a outra parte da programação seria no auditório Barbosa Lessa, que teria ar-condicionado. Só que o refresco esperado estava bem tímido. Meu palpite de dona de casa é que a manutenção do equipamento de refrigeração não estava em dia. E os motivos disso acontecer, creio que você que me lê deve saber.
Assisti também a uma roda com a participação de jornalistas que trabalham com a divulgação de cultura na nossa aldeia. Devemos muito a eles se ainda existem iniciativas que mostram o que estamos fazendo em favor dos nossos ricos cenários culturais. O Luis Dill, da FM Cultura, é um obstinado na difusão da literatura. Se você não sabe ou não desconfia que essa emissora tem sido desmantelada com requintes de crueldade, informe-se. Se a sociedade não se mobilizar, a FM Cultura sairá do ar. Está mais pra lá, do que pra cá.
A Adriana Androvani, do Correio do Povo, assim como outros colegas desse veículo, tem feito o que pode para seguir produzindo sob os olhares dos pastores da Igreja Universal. O Roger Lerina, com muitos anos de jornalismo cultural, se reinventa no Matinal. O Vitor Diel é um jornalista empreendedor, que cobre, chuta e cabeceia para dar o recado do que está acontecendo em termos de literatura.
Portanto, queridos e estimadíssimas leitoras, vida longa à Santa Sede. Porque as soluções para driblar os desafios desses tempos líquidos e incertos estão entre nós. Especialmente nesse momento de aquecimento global, permeado de ondas de calor, tempestades e muita desinformação.
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Foto da Capa: Divulgação