Dia desses, em uma reunião de trabalho, me vi tocada pela fala do meu colega e amigo, o psicanalista Norton Rosa. Dizia ele – e aqui espero fazer uma paráfrase justa – da importância de reconhecer a condição de não saber o que fazer. Essa fala retumbou para outros contextos, assim como um texto que reli antes de me dedicar a estas linhas, no qual Norton apela para que não cedamos do desejo de manter a democracia. Naquele momento da escrita dele, após o primeiro turno de 2022, ademais da certeza de que não seria fácil derrotar o bolsonarismo nas urnas, certamente sabíamos que seguiríamos lidando com os ovos descascados da serpente.
Assim tem sido e, talvez, mais do que manter a democracia, realmente precisemos revigorá-la, pois as bases democráticas parecem se sacudir quando a democracia não é a anelada por uma maioria de homens cisgêneros, heterossexuais e brancos. Boa parte dessa classe dominante está ideologicamente pareada à esquerda, no entanto, sem grandes intenções de ceder de seus privilégios tão poucas vezes reconhecidos. Apesar dos arroubos progressistas, mais do que o divergente e o contraditório, a democracia reivindicada por essa classe parece temer o diverso. O diverso trazido pelos LGBT, pelas mulheres de todas as raças, sobretudo as pretas, pelo homem negro, indígena e pelas pessoas cuja diversidade funcional carrega o injusto peso de serem consideradas as únicas deficientes.
Entretanto, não é que não queiram a diversidade por perto, mas temem o seu real protagonismo. Muitos destes progressistas, até bem-intencionados, se aliviam com o papel de herói, quer dizer, querem salvar e não partilhar o protagonismo. Este é um debate delicado, porque é o que leva muitas pessoas em suas hegemonias a crerem que estão fazendo favor ou que são maravilhosas, apenas por serem empáticas. Nessas horas, já dizia minha mãe, não fazes mais do que a tua obrigação. No entanto, abrir espaço para uma real partilha é entender que, no jogo da vida, tem mais valor simbólico se salvar do que ser salvo.
É como se todas essas pessoas – esse grande grupo conhecido como “os outros” – merecedores de pena, para alguns, e empatia, para outros, não ganhassem as mesmas quantidades de fichas no início do jogo da vida. É aí que sempre me pareceu curioso que, no jogo, o banqueiro costuma ser quem dá as demais cartas, além do dinheiro para iniciar a partida. Quem joga nessa posição termina por administrar o jogo e, assim, paternalmente, concede o que convém a cada um. Com quem treparás, que salário e capital simbólico te convém, quando e se terás direito à tua própria voz, etc. Trata-se de influência e saber, ou melhor, a suposta posse de um saber. Inclusive, de saber o que dizer. Ainda não sei o que (me) dizer sobre as últimas notícias envolvendo os Ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial…
Sei que a casa grande está em festa. No mais, sinto a minha tristeza e vivo essa ignorância com a maior dignidade possível. O resto é luto, espera e luta.
Foto da Capa: Marcello Casal Jr / Agência Brasil
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