O Senado aprovou na quarta-feira (22) a PEC que limita os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF). As votações em primeiro e em segundo turno tiveram o apoio de 52 senadores e outros 18 contra. Agora, o texto segue para a Câmara dos Deputados. Lá, deve ter mais dificuldades para tramitar. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), já deu declarações que medidas sobre o STF não são prioridades dos deputados.
A PEC proíbe quaisquer ministros do STF de tomar decisões monocráticas (ou seja, sozinho) para suspender leis com efeitos gerais por inconstitucionalidade. As decisões monocráticas também não poderão ser emitidas para suspender atos de chefes de Poderes, ou seja, dos presidentes do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da República, Lula (PT).
A PEC é de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). No plenário, teve como relator Esperidião Amin (PP-SC). O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, declarou nesta quinta-feira (23) que o Supremo “não vê razão para mudanças constitucionais que visem alterar as regras do regimento”. A declaração em nome da Corte foi dada um dia após a aprovação no Senado da PEC que limita os poderes do STF.
Fontes ouvidas por órgãos de imprensa apontaram que o ministro avaliou a decisão como um “sinal ruim”. Em discurso no plenário da Corte, Barroso reiterou a avaliação dizendo que as mudanças legislativas “não são necessárias e não contribuem para a institucionalidade do país”, na visão dele e dos demais ministros do tribunal. Além disso, ressaltou que a Corte “vê com preocupação avanços legislativos contra sua atuação”.
O presidente do STF explicou, ainda, que a Constituição brasileira possui um desenho institucional com “singularidades relevantes”. Além de repartir a competência dos deveres entre os Três Poderes e definir direitos fundamentais, o documento ainda cuida do sistema previdenciário, tributário, da saúde, da educação e de tantos outros temas. Na visão do magistrado, com tamanha abrangência, cabe também ao Supremo julgar essa gama de temas, o que consequentemente pode contrariar os interesses de alguns grupos.
Aprovações
A tensão entre o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) acentuou-se nas últimas semanas, com parlamentares protestando por meio da obstrução de votações no Legislativo, e com a análise-relâmpago de projeto que limita a atuação e o alcance das decisões da corte. A crise entre o Legislativo e o Judiciário foi intensificada após uma série de votações do tribunal em temas como o marco temporal, que tramita como projeto de lei, a descriminalização das drogas e a liberação do abordo para até 12 semanas após a concepção.
Nesta última quarta-feira, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões individuais de ministros, após uma ofensiva encampada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Foram 52 senadores a favor, 18 contra e nenhuma abstenção nos dois turnos. Outra PEC, que autorizaria o Congresso a derrubar decisões proferidas pelo Supremo, também voltou a tramitar. Ainda, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que os Poderes da República precisariam manter-se dentro dos limites constitucionais, afirmando ter “absoluta certeza” de que o Congresso os obedece.
Durante suas últimas semanas chefiando o Supremo, a ministra aposentada Rosa Weber, pautou uma série de ações consideradas polêmicas. Entre elas estão a autorização de cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos a não filiados, a inconstitucionalidade do marco temporal para demarcação de terras indígenas, a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal e do aborto em até 12 semanas após a concepção.
Essas votações receberam críticas pelos parlamentares, que viram uma interferência da corte na atividade legislativa. Em resposta, Rosa defendeu a análise de temas considerados tabus pela Justiça. A partir dali várias foram as repercussões. Pacheco protocolou uma PEC proibindo o porte e a posse de qualquer droga, independentemente da quantidade. O Senado aprovou o projeto do marco temporal para demarcação de terras indígenas, em votação-relâmpago, o texto aguarda sanção do presidente Lula (PT).
Troca-troca de acusações
A troca de críticas entre magistrados e o presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, estendeu-se ao final de semana, numa disputa que respingou no Governo Lula e no PT. A votação foi vista por ministros do Supremo como um ataque. Eles aproveitaram a sessão da quinta-feira (23) para disparar duras declarações contra a atitude dos senadores.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes citaram expressões como ditadura e retrocesso. Mais tarde, houve reação de Pacheco, dizendo que nenhuma instituição é intocável e que a corte não é palco nem arena política. Barroso disse que a erosão das instituições em países que recentemente viveram retrocesso democrático começou por mudanças nas supremas cortes. “Os antecedentes não são bons”.
Ele afirmou ainda que o tribunal não vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu funcionamento. “O STF é alvo de propostas de mudanças legislativas que, na visão da corte, não são necessárias e não contribuem para a institucionalidade do país”.”
Já Gilmar Mendes disse que o STF “não irá submeter-se ao tacão autoritário, venha de onde ele vier, ainda que escamoteado pela representação de maiorias eventuais”. E segue: “As ditaduras são sempre deploráveis, e elas podem existir tendo como marco o Executivo ou, também, o Legislativo. Estou certo de que os autores desta empreitada a começaram travestidos de estadistas presuntivos, e a encerram, melancolicamente, como inequívocos pigmeus morais”.
Ele disse ainda que a medida é “a ressurreição de um cadáver outrora enterrado” e que ela já havia sido rejeitada pelo Parlamento em 2020. “O fato é que este STF, sempre atento às suas responsabilidades institucionais e ao contexto que o cerca, está preparado para enfrentar, uma vez mais e caso necessário, as investidas desmedidas e inconstitucionais provenientes, agora, do Poder Legislativo”.
Alexandre de Moraes, por sua vez, declarou que o aprimoramento das instituições é importante e instrumento da democracia, “mas não quando escondem insinuações, intimidações e ataques à independência do STF”. Também disse que o tribunal não é composto de covardes nem de medrosos “Tenho absoluta certeza de que, sob a presidência de vossa excelência [Barroso], o STF demonstrará coragem na defesa da garantia do Poder judicial, não em favor do tribunal, ou de juízes e juízas, mas da sociedade”, afirmou.
Horas depois, Pacheco respondeu ao STF e mostrou que não pretende recuar. Negou que a PEC seja uma retaliação à corte e justificou que ela visa reforçar o que diz a Constituição. “Não me permito debater e polemizar nada dessas declarações de ministros do Supremo Tribunal Federal, porque considero que o Supremo não é palco e arena política. É uma casa que deve ser respeitada pelo povo brasileiro”, afirmou.
“Nenhuma instituição tem o monopólio da defesa da democracia no Brasil”, disse, afirmando que atuou em defesa das instituições e do próprio STF quando foi necessário. Presidente do Senado e do Congresso afirmou que não pretende criar crise institucional, mas apenas aprimorar a Justiça.
“O discurso político no Brasil infelizmente está muito pobre, vazio de argumentos para poder se deixar levar a uma discussão desse nível, entre direita e esquerda, entre um presidente e ex-presidente”, afirmou. “Não me permito fazer um debate político, tampouco receber agressões que gratuitamente recebi, por membros do Supremo Tribunal Federal, em razão de um papel constitucional que cumpri”.
A crise ganhou ainda mais corpo e atingiu a gestão Lula devido ao voto do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA). Ele foi favorável à proposta, o que aumentou as queixas no STF. Em resposta, a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), disse que o voto de Wagner foi “um equívoco” e que trabalhará para que a PEC não seja confirmada pela Câmara dos Deputados. Wagner disse, em suas redes sociais, que a sua decisão foi “estritamente pessoal e fruto de acordo que retirou do texto qualquer possibilidade de interpretação de eventual intervenção do Legislativo”.
Ministros do STF consideraram o gesto do senador foi de terminante para que o texto fosse aprovado, já que a matéria foi chancelada com apenas três votos de folga. Além do seu próprio voto, Wagner contribuiu para que mais alguns senadores se posicionassem a favor do texto.