Um homem que deixou a casa.
Um motel.
Gemidos de prazer.
Os elementos acima fazem parte da história e sugerem luxúria.
Não, cara leitora, prezado leitor;
a história não é libidinosa.
Talvez seja uma história triste.
Pode ser engraçada.
Ou ambas as coisas.
Depende de quem a lê e também de quem a conta.
No caso, já dei spoiler no título e subtítulo, a crônica é minha e a história ocorreu comigo.
Depende de quando é contada e de quanto aprendemos com os fatos vividos.
De como seguimos em frente.
Mas deixemos de delongas e entremos na crônica…
É estranho e dolorido quando a gente descobre que o casamento de fato acabou.
Já estava circulando há uma hora de carro pela cidade, sem saber direito para onde ir. Eu e alguns dos meus pertences, especialmente roupas mal-ajeitadas e colocadas apressadamente em uma mala, que agora estava no porta-malas do veículo.
Havia saído de casa após uma – mais uma – grande discussão com minha então esposa, de quem hoje sou um bom amigo. Nós dois sabíamos que deixar a residência com uma mala na mão representava uma ruptura definitiva.
Desde o início do casamento, combinamos que não haveria entre nós cenas fortes como tirar a aliança de casamento do dedo em uma discussão ou pegar uma mala para ameaçar deixar o lar.
Agora eu, que estava atônito, perdido no meio da noite paulistana, sem saber para onde ir, sem forças para ligar para um amigo, para minha mãe ou para meus irmãos, ainda que soubesse que ficariam aliviados com nossa separação. Ainda que soubesse que todos, a começar por nós mesmos, já haviam percebido que o casamento não tinha mais jeito.
Ainda assim, todos sofrem. É ruim ver um projeto de vida de pessoas queridas que não deu certo. Ou que deu certo por um tempo, mas terminou muito antes do esperado “para sempre”.
Os sonhos que ficam no meio do caminho e que nunca serão realizados.
Após rodar por mais de uma hora, avistei um motel. O anúncio da placa mostrava que o local não era caro nem barato e chamava a atenção pelo destaque para um farto café da manhã. Cansado, decidi que passaria a noite no local. Precisava de algumas horas de sono e de um bom café da manhã antes de sair para anunciar a amigos e família que não estava mais casado.
Antes de entrar, circulei um pouco mais pelo bairro, até encontrar um supermercado aberto, onde comprei uma garrafa de vinho.
Somente já dentro do motel é que percebi que estava a menos de 500 metros do Club Transatlântico, onde havíamos realizado nossa festa de casamento e celebrado com parentes e amigos a nossa união e felicidade.
Em quatro anos, tudo havia mudado. “Tão pertinho e há um mundo de distância.”
Tentei dormir, mas não consegui. A estrutura do hotel era boa, as paredes sólidas, mas eu escutava – reais ou imaginários – gemidos de corpos em êxtase que só reforçaram a minha solidão, o fracasso de um relacionamento.
Não daria para dormir. A noite seria longa. Para abafar os ruídos, liguei a televisão. Saí dos canais pornográficos e procurei por notícias e esportes. Quase todos os canais falavam sobre os preparativos da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo que aconteceria em breve na Alemanha. Estávamos em 2006.
Havia uma grande expectativa. O Brasil era o grande favorito para ganhar o título e conquistar o Hexa. Afinal, jogaria com seu quarteto mágico: Kaká, Adriano Imperador, Ronaldo Nazário e Ronaldinho Gaúcho, considerado o melhor jogador do mundo.
Abri a garrafa de vinho e entrei na piscina, disposto a ali permanecer até as primeiras horas da manhã.
A televisão mostrava uma estranha animação, um ambiente de festa, durante os treinamentos que aconteciam na cidade de Weggis, na Suíça, que contrastava com a concentração que precede uma Copa do Mundo. De repente, uma torcedora invade o treino e corre para abraçar Ronaldinho Gaúcho, que estava sentado à beira do gramado.
Festa.
A vida, dos outros, era uma festa.
Eu olhava automaticamente para as cenas, mas outras tantas passavam pela minha cabeça!
Via os lances do futebol, mas aparecia no meu cérebro o replay da história do casamento interrompido.
Como nos conhecemos.
As palavras doces!
Os primeiros beijos.
As promessas e juras de amor.
O casamento.
A lua-de-mel no resort.
As viagens.
Os primeiros desentendimentos.
As palavras amargas.
As brigas.
O vinho terminou muito cedo e tive a sensatez de não pedir outro.
Despido de tudo, passei horas e horas na piscina daquele imenso quarto de motel olhando para as cenas da TV e da minha vida!
Em breve, amanheceria, eu tomaria meu farto café da manhã e entraria no carro para sair dali e enfrentar a nova realidade.
Pouco depois das sete da manhã, sem dormir e faminto,
pedi o farto café a que tinha direito.
O pedido chegou ao quarto rapidamente.
Um pão francês, alguns frios, uma fruta. Um suco. Um iogurte. Uma xícara de café preto!
Liguei para a recepção.
– Vocês se enganaram. Veio café só para um!
A atendente não entendeu.
– Como assim, senhor?
– Vocês enviaram café para uma pessoa e deveriam ter enviado dois!
Ela deveria ter pensado antes de responder.
Disse:
– Mas o senhor não está sozinho?
Foi, já fora da piscina, a gota d’água.
Esbravejei. Gritei com tanta força que os vizinhos de quarto devem ter ficado impressionados com um suposto orgasmo tão intenso.
– Vou pagar o mesmo preço por essa droga de quarto que qualquer casal que está aqui! O preço que está na placa à frente do motel. Pagarei, simplesmente. Por acaso, fiz alguma pechincha antes de entrar? Tenho certeza de que sou o único imbecil que está aqui sozinho, a noite inteira sozinho, enquanto todo mundo está se divertindo, se lambendo, se chupando, transando…
– Senhor.
– Não me interrompa! Estou aqui a noite toda sem dormir, porque acabo de me separar da minha esposa e deixar minha casa. Não consegui dormir um mísero segundo e passei a noite inteira em claro. Só bebi. Não como há mais de 18 horas. Não transo há sei lá quanto tempo! Passei a noite acordado e o único prazer que teria aqui seria tomar o meu prometido bom e farto café da manhã. Então, você pode fazer o favor de mandar trazer para mim, agora, esse bendito café da manhã? Para dois!
Passaram-se alguns minutos e o telefone tocou.
Era um gerente.
– Minha colega disse o que aconteceu. Pedimos desculpas. Coloque o café de volta no armarinho, porque já deve estar morno. Mandaremos tudo novo, fresquinho e quente. Para dois!
Pouco tempo depois, ouvi a batida de um funcionário, anunciando que o café da manhã já estava no armarinho.
Agora sim. Eram dois pães. Dois sucos. Duas xícaras de café preto. Leite. Dois iogurtes. O dobro de fatias de queijo e presunto. Duas frutas. Havia também uma caixinha. Estava escrito: “Pedimos, mais uma vez, desculpas por nossa falha. E desejamos a você tudo de bom. Que sua vida seja doce!”
Era uma caixinha com bombons.
Sentei-me à mesa.
Bebi cada gota do café com leite e dos sucos.
Comi, com fome e fúria, cada pedacinho das frutas, dos pães e dos frios.
Devorei cada migalha.
À minha frente, os programas de jornalismo repetiam as cenas de Ronaldinho Gaúcho e companhia e os comentaristas pareciam achar tudo muito engraçado. Eu ouvia os sons, mas não via direito as imagens. Talvez por estar olhos cheios de lágrimas.
Não entendia direito o que estava acontecendo.
Depois de uns quinze minutos, abri a porta e saí do quarto, com a mala em uma das mãos e a caixinha de chocolates na outra.
Já estava claro, e raios de sol iluminavam o dia.
Saí dirigindo pelas ruas da cidade, ainda sem saber para onde ir.
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Foto da Capa: Gerada por IA