Infelizmente vivemos em um país extremamente violento, onde sequestros-relâmpago, corrupção, roubos, golpes, furtos, fraudes, crimes de racismo e homicídios acontecem a todo instante. Raramente os responsáveis são condenados e, quando são, passam pouco tempo na prisão. Não sendo suficientes a violência e a impunidade, uma boa parte da sociedade faz piadas, diz que é assim em todo lugar, aceita como natural a banalização do mal, e que tantos crimes prescrevam enquanto aguardam julgamento pelas mais altas cortes.
Dentre os diversos crimes mencionados no parágrafo acima, vou fazer um pequeno apanhado sobre as consequências civis a serem enfrentadas pelos bancos nos casos em que há um sequestro-relâmpago e o cliente é obrigado a efetuar diversas retiradas, transferências bancárias e transações por meio de “pix”, enquanto está nas mãos dos criminosos.
Há tempos os clientes vítimas dos sequestros alegam falha na segurança dos bancos, pois não detectaram a realização de movimentações atípicas, fora dos padrões de sua movimentação usual. Desta forma, em muitos casos, além do ressarcimento dos valores, os clientes recebem também uma indenização pelos danos morais ocorridos.
De outro lado, os bancos alegam que os sequestros ocorrem fora das suas dependências, que os danos morais são consequências do sequestro e não da sua atuação ou omissão, e por vários anos temos visto sentenças proferidas por diversos tribunais pendendo um pouco mais para o cliente/consumidor, mas, em alguns casos, para as instituições financeiras. As decisões favoráveis aos clientes fundamentam-se inclusive com respaldo no Código do Consumidor, que imputa a responsabilidade objetiva do fornecedor, neste caso, de serviços bancários. Responsabilidade objetiva é aquela que não decorre de culpa, mas sim do risco da atividade desenvolvida pelo causador do dano.
Transcrevo a seguir parte de um julgado da 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que salienta “que quem se propõe a fornecer produtos ou serviços a outrem, há de estar consciente da responsabilidade inerente à sua atividade, pois vícios ou defeitos podem colocar em risco, entre outros bens, a vida, saúde e segurança dos destinatários finais”. Neste caso, a vítima foi obrigada a fazer diversos saques em agências distintas, em um curto período, e o banco não suspeitou da fraude. Para o relator deste processo, isso representou uma falha na prestação do serviço do banco que não garantiu a proteção da sua cliente.
Vale citar também o trecho de uma sentença proferida pela juíza de Direito da 11ª Vara Cível de SP, referente a um caso em que o banco foi condenado a restituir os saques indevidos e declarou a inexigibilidade das compras realizadas por uma cliente que foi obrigada a entregar seu cartão e sua senha aos assaltantes, gerando diversas transações financeiras fora de seu padrão de consumo. Em que pese o banco tenha alegado que não haveria a sua responsabilidade pelas transações realizadas com o cartão original da cliente, com a utilização da sua senha pessoal, e fora das dependências do banco, a juíza entendeu que “A alegação da parte requerida, de que houve fato de terceiro, como causa excludente da responsabilidade da instituição de pagamento, não pode ser aceita. Isso porque o que efetivamente permitiu a ação dos fraudadores foi a aludida omissão da parte requerida em garantir a segurança do sistema de utilização do cartão da parte autora, ciente da atuação corriqueira de assaltantes/sequestradores, que, mediante violência ou grave ameaça, obtêm das vítimas seus cartões e senhas pessoais na prática de roubos ou sequestros-relâmpago.”
Todavia, cabe salientar também posicionamento contrário, no Processo 0002075-28.2011.4.01.3304/BA, em que a juíza decidiu que “considerando que não houve falsificação ou qualquer expediente de manipulação do sistema bancário, bem como que a abordagem da cliente iniciou-se fora das dependências do banco, entendo que o dano ocorrido não se encontra abarcado pelo risco assumido pela instituição financeira e que faria configurar automaticamente a sua responsabilidade”.
Essas transferências e saques também podem ser realizadas por “pix” e a primeira coisa que o cliente deve fazer é entrar em contato com SAC do banco e pedir a aplicação do Mecanismo Especial de Devolução (MED), conforme expliquei detalhadamente no artigo publicado pelo Sler, em 29 de agosto de 2022, referente ao PIX, em específico, denominado, “Contas ‘hackeadas’, fraudes, estelionatos, assaltos, sequestros-relâmpago implementados com pagamentos por meio de Pix e a responsabilidade das instituições financeiras”.
Vale destacar também que a Súmula 479 do STJ determina que “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Para fins de entendimento dessa Súmula, fortuito interno deve ser compreendido como o fato imprevisível e inevitável, que ocorre durante a prestação do serviço.
Recentemente, em 12 abril de 2023, foi noticiado pelos jornais que o entendimento da Súmula 479 do STJ, acima mencionada, foi adotado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que condenou um banco a ressarcir os valores descontados indevidamente do cliente, em razão de sequestro relâmpago, no qual os criminosos efetuaram uma transferência comum, três transferências via Pix e mais um empréstimo.
Não quero agourar ninguém, mas se um dia algo assim lhe acontecer, entre em contato imediato com o SAC do seu banco, registre a ocorrência policial e procure um advogado. Provavelmente, você irá conseguir recuperar alguma parte ou até mesmo a totalidade do seu prejuízo. Nem tudo estará perdido.
Foto: Filme Sequestro-Relâmpago / Reprodução do Youtube