Exceto se você for um banco e puder cobrar os altos juros bancários autorizados no Brasil, ser credor pode se transformar em um pesadelo quase tão triste quanto ser devedor, pois em muitos casos o credor ganha uma ação, gasta tempo e dinheiro, se incomoda muito, e não consegue penhorar um bem do devedor para satisfazer o seu direito.
Para ajudar um pouco a vida dos credores e juízes, em boa hora, foi criado o SNIPER.
O que é o SNIPER?
O SNIPER é uma ferramenta desenvolvida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visa facilitar a investigação do patrimônio de devedores, para servidores e magistrados de todos os tribunais brasileiros integrados à Plataforma Digital do Poder Judiciário.
Essa solução tecnológica visa dar maior efetividade e celeridade aos processos de execução e ao cumprimento de sentenças. Além de localizar o patrimônio dos devedores, ela é uma grande ajuda para comprovar condutas dos executados que possam configurar fraudes ou frustrar a execução.
Não raro a dificuldade de se encontrar os bens do devedor era tão grande, que acabava ocorrendo a prescrição intercorrente de uma execução, ou seja, a perda do direito de exigir o valor da execução, por não ter sido realizada a penhora de um bem do devedor no prazo de lei.
A ferramenta simplifica imensamente o trabalho de investigação do patrimônio dos devedores, pois havia a necessidade de diversos requerimentos judiciais, pesquisas isoladas realizadas pelos servidores, e se perdia a visão do conjunto, além de excessiva morosidade do processo.
Essa nova tecnologia faz o cruzamento de dados e informações de diversas bases, verifica os vínculos entre pessoas físicas e jurídicas, o que possibilita a localização do patrimônio dos devedores de forma muito mais simples e rápida. Isso permitirá também a verificação da existência de grupo econômico, e propiciará que ocorra com maior frequência e facilidade pedidos de desconsideração da personalidade jurídica, para que se consiga penhorar os bens dos devedores, transferidos para suas empresas, por exemplo.
Conforme dados publicados no “Relatório Justiça em Números 2021”, do CNJ, o “O Poder Judiciário contava com um acervo de 75 milhões de processos pendentes de baixa no final do ano de 2020, sendo que mais da metade desses processos (52,3) se referia à fase de execução.”
Esse gargalo é imenso e custo a crer que vá diminuir tão cedo, pois os brasileiros estão superendividados e a economia mundial patina, em razão da pandemia, da ameaça de uma terceira mundial e o julgamento das ações, recursos etc., costumam levar um tempo considerável.
Para se ter uma ideia, conforme pesquisei para esse artigo, após todo o trabalho, o tempo consumido para o ajuizamento de uma ação, para se ter uma sentença com trânsito em julgado (aquela que não cabe mais recurso), é em média 1 (um) ano e 7 (sete) meses, sendo que somente após isso são iniciados os processos de execução, nos quais se buscam bens dos devedores para o pagamento das dívidas. E o que é pior, o tempo consumido nos processos de execução costuma ser três vezes maior, ou seja, em média 4 (quatro) anos e 7(sete) meses.
Desse modo, essa tecnologia será uma grande ajuda para os operadores do direito, e para os credores em geral.
Quando começou a funcionar, quais bases de dados já podem ser consultadas?
O SNIPER começou a funcionar em agosto e desde 15 de setembro recente já é possível acessá-lo.
Conforme informado no site do Conselho Nacional de Justiça, por meio do SNIPER já é possível a consultar dados dos seguintes órgãos:
- Receita Federal do Brasil: Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).
- Tribunal Superior Eleitoral (TSE): base de candidatos, com informações sobre candidaturas e bens declarados.
- Controladoria-Geral da União (CGU): informações sobre sanções administrativas (caso já tenha ocupado cargo público), empresas inidôneas e suspensas, entidades sem fins lucrativos impedidas, empresas punidas e acordos de leniência.
- Agência Nacional de Aviação Civil (Anac): Registro Aeronáutico Brasileiro.
- Tribunal Marítimo: embarcações listadas no Registro Especial Brasileiro.
- CNJ: informações sobre processos judiciais, número de processos, valor da causa, partes, classe e assunto dos processos.
Outrossim, a relação de dados disponíveis poderá sofrer atualizações e as seguinte bases estão em processo de integração:
- Infojud: dados fiscais (apenas no módulo sigiloso)
- Sisbajud: dados bancários (apenas no módulo sigiloso)
Como se vê esse auxílio tecnológico será uma revolução na busca de ativos dos devedores, um problemão para os maus pagadores e fraudadores, e uma tremenda ajuda para os credores, tão desprotegidos pela nossa legislação, que estabelece prazos tão curtos para os credores localizarem os bens dos devedores.
Todavia não se pense que o SNIPER permitirá que se tenha acesso às informações de todos os devedores, em geral. Continuará sendo necessário e exigido pelos tribunais que os credores façam todo o possível para localizar os bens dos devedores, efetuem requerimentos, diligências, investigações, e comprovem em juízo que todas essas tentativas de localização de bens foram infrutíferas.
Ademais, o requerimento ao judiciário para a utilização da ferramenta SNIPER, obrigatoriamente será submetido ao contraditório e à ampla defesa do devedor. Vale dizer, o devedor poderá se defender, expor as razões fáticas, jurídicas e probatórias para que o juiz indefira o pedido do exequente referente a devassa financeira e patrimonial da sua vida.
O devedor obviamente irá alegar que a quebra do seu sigilo bancário para o pagamento de uma dívida, fere a inviolabilidade do sigilo bancário e o direito à sua privacidade, direitos esses amparados pela Constituição Federal.
Saliente-se que, na maioria dos casos, no confronto entre o direito de efetividade da execução, que visa proteger um direito patrimonial, e determina que o direito não seja apenas reconhecido, mas algo efetivo, e o direito de inviolabilidade do sigilo dos dados bancário e o direito de privacidade, os tribunais têm privilegiado os direitos do devedor, em razão das disposições constitucionais existentes.
A quebra do sigilo bancário em execuções é algo difícil de acontecer, ocorre excepcionalmente. Considerando-se que o SNIPER foi desenvolvido para ajudar a localizar os bens de devedores em execuções, os requisitos para a quebra de sigilo bancário, neste caso, serão em síntese a ocorrência de ilícitos penais ou administrativos, e crimes contra a ordem tributária e a previdência social.
Ainda é cedo para saber com qual velocidade ele estará a pleno vapor nos tribunais brasileiros, mas o CNJ está fazendo um grande esforço para que isso ocorra logo, inclusive já lançou no início de outubro um curso on-line para uso do SNIPER por profissionais do poder judiciário.
Parabéns para o CNJ, precisamos cada vez mais do uso de tecnologias de ponta para que a justiça seja uma realidade, e não apenas uma sentença impossível de executar.