Há tradições que vão caindo em desuso e isso pode ser bom ou ruim, a depender do que estamos a avaliar. Uma que sempre gostei de ver foi a da preparação do brasileiro para a Copa do Mundo de Futebol. Do hábito de tirar a amarelinha do armário e decidir se seguiria usando-a por mais uma Copa ou compraria uma nova. E quando falo “nova”, não quero dizer uma camiseta oficial. Às vezes, a saída era encontrar um camelô com um bom produto viável e já estava tudo resolvido.
Mas este ano a tradição foi posta de lado e a Nike já sabe disso. O que mais vejo é gente se recusando a usar o símbolo sequestrado pela extrema-direita, que deturpa o censo de nacionalismo para justificar o ódio. Tem até quem esteja comprando versões vermelhas no mercado paralelo para deixar bem claro que está em outro campo do espectro político.
Falo disso como gato escaldado que sou, pois nunca tive uma camisa da Seleção Brasileira, mesmo tendo nascido na fronteira com a Argentina e curtido os preparativos para a Copa. A camisola tricolor, como dizem os adeptos portugueses, sempre me bastou e a camiseta brasileira acabou por não ter espaço na minha lista de desejos. Agora, depois do Bolsonaro, me recuso a usar amarelo até no ano novo para chamar dinheiro.
Por tudo isso, a Nike tem um desafio gigantesco: fazer com que este volte a ser um símbolo de todos os brasileiros. A empresa, que patrocina a seleção brasileira e produz este ícone do esporte, demonstra estar tentando.
Uma das frentes é diminuir a relevância de uma “tradição” de quase 10 anos. Usando o gancho da Copa do Mundo, a Nike vem chamando artistas e celebridades identificados com a esquerda como promotores da canarinho. As peças evitam associações políticas, tentando trazer neutralidade para a imagem.
Outro passo é evitar que a personalização das camisetas seja usada com fins eleitorais. Para isso, a marca proibiu que os consumidores usem nomes como Lula e Bolsonaro e os números 13 e 22 em seus uniformes.
Porém, isto está causando problemas. As proibições não são claras nem objetivas. Os clientes vêm reclamando que compram a camisa e pagam pela personalização e só depois são avisados que o texto escolhido não poderá ser aplicado.
Outra fonte de descontentamento é que as restrições não parecem focar apenas em temas eleitorais. Palavras como “gay” e “Yemanjá” também são vetadas, enquanto é possível usar “LGBTQIA+” e “Cristo”.
Ou seja, critério mandou lembrança e a rejeição só cresce.
Talvez a Nike devesse ser mais ousada e fazer como o McDonalds. A rede de fast food, ao não conseguir vencer o português castiço das ruas, encarou o problema de frente e se assumiu como Méqui.
Eu, no comando de uma força-tarefa pela salvação do uniforme da seleção, aceitaria a politização da peça e faria camisetas para todos os gostos, forçando o brasileiro médio a ler (nem que seja camiseta cartaz).
A minha seria “#ForaBozogenocida!”, para deixar claro.