Hoje, deliberadamente, eu não vou sentar contigo para escrever. Sorry! Vais ter que me procurar. Estou fora das linhas, das ordens e dos sentidos que estás buscando. Se quiseres, procura-me nos dicionários ou nas gramáticas. Devem haver outras opções mais atuais. Ouvi falar de uma que ainda não funciona tão bem, mas, por via das dúvidas, deixo-te anotado aqui. Um tal de chat GPT; um tipo de inteligência assumidamente artificial. Dizem que se produz escrita com isso. É porque eu posso estar por lá, dizem, de alguma forma. São os meus rastros, acredito. Em todo o caso, parece que me faz meio desengonçada, esquisita. E tu bem sabes: são plágios irrastreáveis, mas existentes. Acho que se eu fosse tu tentaria encontrar-me nas crianças que aprendem este ou mesmo qualquer outro idioma. O problema é que tu queres inspiração de prosa, sendo evitativo à poesia. Então, penso que não vai dar muito certo, porque – nenhuma novidade para ti – as crianças mal me conhecem e já me espremem e me torcem como se eu fosse massa de modelar. Aí só rindo mesmo… Viu, só? O itálico aqui é para te mostrar que já começou. Tu não gostas muito, porque tuas entranhas tremem e tu ainda crês que escreves só com o cérebro e as mãos. Uma pena, era uma boa opção de encontro comigo, mas tu que mandas… Como sou metida, mesmo assim sugiro que não caias na tentação de remeter-se àquele teu tio piadista que sempre tinha uma anedota de final de semana. Primeiro, porque precisaria selecionar as poucas histórias isentas de venenoso preconceito. Afinal, os tempos são outros, os valores nem se fala e todo mundo dorme bem antes do final de uma curta história. Filmes velhos? Livros velhos? Esqueça! Qualquer releitura te conduz ao clássico e qualquer clássico te leva a ter que suportar a repetição. A tua, a dos outros, pouco importa, porque, na verdade, sei que estás sem paciência comigo. É exatamente por isso que terás que ir atrás de mim. Assuntos do momento? Política? Nem pensar! Nada de me procurar por lá. Tu sabes que andas demasiado preocupado com o mundo. É verdade que nosso encontro aí é sempre intenso, mas te deixa pesado e exasperado por alguns dias. E tu precisas de mim para escrever a tua vida também. Ora, como sou besta, afinal: eu me distancio, mas também te protejo. Paciência! Por enquanto, não te quero me buscando nisso, combinado? Vale lembrar também o conselho de Cortázar; não me procure em um interlocutor imaginário, porque assim vais te autocensurando sem dar-te conta. Evita ainda, se puderes, chamar-me na madrugada, porque estás numa idade em que o sono te é mais gasolina do que a comida. De minha parte, eu prefiro te encontrar nos sonhos. E, se esse sonho for urgente, confia que eu vou te acordar para ligar o computador. Te diria ainda que, nesses dias em que me afasto, não me forces através de novos conhecimentos e informações, nessa tua loucura de saber demais. Não vai funcionar, porque só me distancia. Preciso de respiro! Ao contrário, trata de encontrar-me nas insignificâncias que só uma vida mais ou menos pode ofertar. Porque não somos desgraçados, mas tampouco distraídos demais. É, meu caro, o excesso de distração não nos ajuda a fluir. Bom, se nada disso der certo, toma aqui o telefone do Gaspar. Ele é um baita ghost writer!
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Foto da Capa: Freepik