A frase “o coração tem razões que a própria razão desconhece” é muito conhecida, mas poucos sabem que ela é de Blaise Pascal. Ele achava que a razão tinha suas limitações e que existe uma intuição que está ligada aos sentimentos, por isto fala em coração. Portanto, sugere que se analise os fatos usando a razão e o coração. Dizia ainda que a pessoa pode ser treinada a pensar com mais rigor, mas não consegue sentir com mais rigor. Deste modo, é mais fácil convencer alguém que está usando a razão mudar de ideia do que quem segue a sua intuição. Eu conhecia Pascal na matemática, recentemente conheci o filósofo Pascal e gostei de um questionamento que ele faz sobre o que é o “eu”? Importante observar que o Pascal viveu no século XVII, mas este questionamento e os seus argumentos são válidos até hoje.
Ele começa perguntando “o que é o eu?” e diz que o eu deve ser algo essencial, uma coisa que não possa mudar. Se considerarmos que a forma é o que define uma pessoa, esta pessoa poderá engordar ou emagrecer e não manter aquela forma. Portanto, a forma é uma qualidade que pode mudar. Se pegarmos a beleza, esta pessoa poderá ter uma doença ou sofrer um acidente e perder a sua beleza. Então, quem ama a beleza do outro, deixará de amar se isto acontecer. Continuando com os questionamentos, ele se pergunta se o “eu” seria o juízo, a capacidade crítica e de raciocínio de uma pessoa”. Isto também pode mudar, a pessoa poderá perder o juízo e continuar sendo ela mesma. Pascal conclui que, filosoficamente, se não se consegue identificar a essência do eu, então precisamos utilizar as qualidades para representar o que é o eu.
Bem, se o “eu” é o conjunto de qualidades que constituem uma pessoa, e estas qualidades podem se dissolver a qualquer momento, isto fez com que o homem inventasse o “eu” para si. A pessoa acredita que ela é aquele conjunto de qualidades, mas ao se olhar no espelho, esta pessoa perceberá que ela não é bem como desejaria ser. Talvez não seja tão alta, tão magra, tão inteligente, tão feliz como desejaria ser. Ao se relacionar com outras pessoas, ela irá mostrar somente as qualidades que admira e esconderá as que lhe faltam. Esta pessoa então convence os outros de que ela é aquele “eu” que está mostrando, com as tais características que os outros podem perceber.
Por outro lado, os outros acreditam e passam a reconhecer esta pessoa como sendo aquilo que ela diz ser. Vem então a terceira etapa, ao ser reconhecido pelos outros como sendo aquele conjunto de qualidades, a pessoa se convence que ela é realmente aquilo e tenta apagar as imperfeições e faltas que o espelho lhe mostrou. Resumindo, a pessoa inventa o “eu”, convence os demais que ela é aquele conjunto de qualidades que ela escolheu mostrar, e ao ser reconhecida assim, se convence de que é realmente tudo aquilo, apagando do seu “eu” as falhas e faltas que o espelho lhe mostrou.
E por que as pessoas fazem isto? Porque elas querem ser admiradas e amadas pelos outros. Ela quer ser vista como uma pessoa bonita, feliz, inteligente etc., mas, na convivência com os demais, alguém irá perceber que ela não é bem aquilo se apresenta, levantará esta máscara e dirá o mesmo que o espelho lhe mostrou. Aqui vem outra contradição do ser humano, ninguém gosta que mintam para ela, mas ao ouvir estas verdades, ela se incomoda e considera como inimigo quem disse as verdades sobre o seu “eu”, pois ela quer manter embaixo do tapete as suas imperfeições.
Mais de 300 anos depois da morte de Pascal, identificamos este comportamento nas relações familiares, no trabalho e principalmente, nas redes sociais, onde podemos sofisticar esta “venda do eu”, usando filtros para nos mostrarmos mais lindos, comprar seguidores para dizer que somos admirados e outras tantas técnicas de autoengano. Em outras palavras, Pascal já dizia que as relações humanas são pautadas na mentira, porque a verdade é insuportável.
Eu concordo com Pascal de que o ser humano gosta de ser admirado, de elogios, de ser amado e que a verdade dói. Este comportamento é muito estimulado nas redes sociais e serve para enganar algumas pessoas. Porém, cada vez mais nos damos contas que as redes sociais podem enriquecer algumas pessoas, mas não as fazem mais felizes. Acredito que é mais feliz quem consegue mostrar o seu “eu” que aparece no espelho para as pessoas de sua confiança e, apesar disto, serem amadas e admiradas. Não precisar enganar as pessoas mais próximas permite que a pessoa viva em paz, do contrário, sentirá uma ansiedade por nunca poder mostrar quem realmente é.
Aprendi que, quando temos empatia, conseguimos dizer a verdade visando tornar o outro melhor. Portanto, discordo que a verdade seja insuportável nas relações humanas.
Referências:
– A Invenção do Eu – Andrei Martins
– As razões do coração em PASCAL – Explicando a frase
– Blaise Pascal – filme completo