Em que mundo nós estamos vivendo mesmo?
Seria cômico, se não fosse trágico, absurdo e lamentável. Tentar fazer do fatídico, abusivo e destruidor 08 de janeiro de 2023 o Dia do Patriota no Município de Porto Alegre foi vergonhoso e de uma falta de respeito escandalosa. Onde pensam que vivem prefeito e vereadores da capital gaúcha? Viramos notícia nacional e alvo de muitas piadas no dia 25 de agosto. A cidade da Esquina Democrática, do Fórum Social Mundial, do Orçamento Participativo, do movimento pela Legalidade e da resistência à ditadura militar transformou-se na “metrópole do atraso e do retrocesso”, entre outros adjetivos nada abonadores. A proposta indecente veio de um projeto do vereador Alexandre Bobadra (PL). Aquele mesmo que foi cassado por abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação, além de incentivar os atos golpistas, como acampamentos e movimentações em frente ao Comando Militar do Sul no Centro Histórico de Porto Alegre. Inconformados com o resultado das eleições presidenciais, grupos enrolados na bandeira brasileira desfilavam pedindo intervenção das Forças Armadas e a volta da ditadura, enquanto o ex-presidente derrotado, que eles tanto louvavam, já articulava sua fuga para os Estados Unidos do “amigo Trump”.
A possibilidade de criação do Dia do Patriota não pode ter sido mais desastrosa para o poder municipal. Ainda mais depois de tudo o que já se revelou sobre a invasão e destruição das sedes dos Três Poderes em Brasília, uma tentativa frustrada, mas muito bem paga, de promover um golpe. O projeto de lei nem chegou a passar pelo plenário da Câmara Municipal de Vereadores, mas teve a adesão de três comissões permanentes. O prefeito Sebastião Melo, que poderia sancionar ou vetar, silenciou covardemente. O texto, então, voltou para a Câmara e com o fim do prazo a lei foi promulgada automaticamente pelo presidente Hamilton Sossmeier no dia 7 de julho. Ficou evidente a afronta ao regime democrático.
Foi uma provocação? Um deboche? Falta do que fazer?
Mas a publicação de uma reportagem no Matinal Jornalismo sobre a criação do Dia Municipal do Patriota acendeu uma luz e a Câmara de Vereadores revogou em 28 de agosto a lei que consagraria a barbárie que tomou conta de Brasília em 08 de janeiro de 2023 – até porque os ataques, acintosamente contra a democracia, foram financiados e estimulados por quem não estava conformado com a derrota do “messias imbrochável”.
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E tem mais. A vereadora Fernanda Barth, responsável pelo evento antivacina realizado na Câmara de Vereadores, agora quer que as escolas informem aos familiares dos alunos quando temas como gênero e sexualidade forem tratados em sala de aula para que tenham o direito de vedar a participação de seus filhos. Na justificativa, diz que é preciso “cuidar da infância”. Será que os parlamentares não sabem que a educação sexual é uma das mais eficazes ações contra o abuso infantil?
E tem ainda mais. Em parceria com a comandante Nádia, Fernanda é autora do projeto que proíbe o uso de linguagem inclusiva nas escolas públicas, mais um absurdo sancionado pelo prefeito. E pensar que esta gente enche a boca falando de educação, acessibilidade, inclusão, diversidade. O que entendem por linguagem inclusiva? Falam do que não conhecem e não se interessam em conhecer. É muita hipocrisia!
É inacreditável tanta ignorância, preconceito e abuso de poder!
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E por falar em abuso de poder, foi no mínimo indecente e desrespeitosa a declaração do filho do ex-presidente feita em julho de 2023, relacionando professores e traficantes – “Não tem diferença de um professor doutrinador para um traficante que tenta sequestrar e levar os nossos filhos para o mundo do crime. Talvez até o professor doutrinador seja ainda pior, porque ele vai causar discórdia dentro da sua casa, enxergando a opressão em todo o tipo de relação”.
O que este senhor entende por educação? E se entende e a preocupação é tanta porque não toma uma atitude concreta? Por que não encabeça uma campanha séria contra o tráfico de drogas e o crime? Contra o que ele chama de “professores doutrinadores que causam discórdia dentro das casas”? Afinal, ele ocupa uma cadeira na Câmara de Deputados do Estado de São Paulo e deveria honrar a conquista. Ou é só uma cadeira para garantir a boa verba que recebe mensalmente – paga com dinheiro público – e ocupar o tempo espalhando fake news?
Alguém reagiu a esta declaração absurda?
E volto a uma pergunta que não vamos calar até que o crime seja desvendado e os responsáveis sejam punidos – “Quem matou Marielle?”
Volto também a uma canção de Caetano Veloso e Gilberto Gil, “Divino Maravilhoso”, que participou do IV Festival da Música Popular Brasileira da TV Record, em 1968, um mês antes do Ato Institucional nº 5 (AI-5), que faz um alerta ainda muito atual – “É preciso estar atento e forte”.
Foto da Capa: Agência Brasil