“Não vás tão docilmente nessa noite linda
Que a velhice arda e brade ao término do dia
Clama, clama contra o apagar da luz que finda!”
As primeiras sentenças do poema Do not to gentle into that good night, do poeta galês Dylan Marlais Thomas (1914-1953), na tradução de Augusto de Campos, soam como um brado inconformista.
Lembrei-me desse poema enquanto participava do Grand Round “O processo de envelhecimento e o florescer de uma nova estratégia de cuidados: a experiência italiana”, promovido pelo Hospital Moinhos de Vento – HMV, em Porto Alegre, no dia 30 de julho de 2024. O hospital, prestes a completar um século de assistência à saúde, tem buscado promover ensino e pesquisa em iguais condições de excelência. O tema em questão também se impõe, à medida que é cada vez mais prevalente o número de idosos na população que requer atendimento.
O evento contou com a participação dos italianos Andrea Fabbo, geriatra, chefe do Serviço de Geriatria, Distúrbios Cognitivos e Demência, de Modena, e de Antonio Bocanaro, professor de enfermagem da Universidade de Parma; com a participação da gaúcha Suzana Schwerz Funghetto, diretora da Rede Internacional de Estudos em Gerontologia – Rede Geronto.
Modelos de acompanhamento de idosos, em parceria e redes, envolvendo diferentes instâncias públicas e privadas, sociais e governamentais podem servir para projetos de práticas a serem desenvolvidas através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS, o PROADI, um dos grandes diferenciais do HMV. Diferenças e peculiaridades geopolíticas e sociais não chegam a comprometer a similaridade essencial, o real aumento populacional dessa faixa etária.
Com a possibilidade de sermos mais longevos, é importante conhecermos mais e melhor quais são os determinantes e modificadores de um envelhecimento bem-sucedido. Os preditores mais óbvios parecem ser aqueles que correspondem aos de doenças crônicas. Em avaliações realizadas com os pacientes, há outros correlatos negativos, como a depressão, e positivos: otimismo, resiliência, capacidade cognitiva e saúde física e mental relacionada à qualidade de vida. Aos poucos também soma-se o conhecimento de diferentes fenótipos e biomarcadores. Mesmo com a dificuldade de definir envelhecimento, alguns componentes e suas influências ambientais vão sendo melhor compreendidos. Trajetos compartilhados entre estresse e inflamação, obesidade e comportamento sedentário e risco de comprometimento da capacidade cognitiva, depressão e doenças cardiovasculares.
O termo Inflamaging, conceito introduzido por Franceschi e colaboradores, para um estado de inflamação crônica que acompanha o envelhecimento (doenças reumáticas, inflamatórias intestinais, cardiovasculares, neuropsiquiátricas, diabetes, dislipidemias, todas vão sendo cada vez mais compreendidas como resultado da inflamação), surgiu como o que poderia parecer algo de cunho mais filosófico, mostrando a inexorabilidade natural de nos oxidarmos com o tempo.
Mas o caminho é a prevenção, mudar hábitos de vida, evitar que isso aconteça com a brevidade de aceleração de quem acende um cigarro – os eletrônicos são ainda mais perniciosos – e promove a sua autocombustão. Que sirva como aviso, esse é um modelo peculiar de plano de cremação antecipada.
Com tantas variáveis, epigenéticas, ambientais, socioeconômicas e até mesmo culturais, a velhice precisa ser acompanhada com o desenvolvimento de práticas integrativas, multidisciplinares. Cuidado, ciência, pesquisa, ensino e educação. Nossos tradicionais serviços assistenciais devem se voltar cada vez mais à promoção da saúde.
Emblemática a saudação do superintendente médico do Hospital Moinhos de Vento, Luiz Antonio Nasi, na abertura da reunião. Destacou a necessidade de engajamento individual no processo de envelhecimento saudável e a premência de um movimento conjunto no combate ao preconceito ao idoso, que parece aumentar cada vez mais em nossa sociedade.
Em Como Vejo a Vida, Albert Einstein pondera: “Tudo quanto nas nossas instituições, leis e costumes, é moralmente valioso, teve origem nas manifestações de sentimento de justiça de inúmeros indivíduos ao longo dos tempos. As instituições são impotentes no sentido moral, se não forem apoiadas e alimentadas pelo sentido de responsabilidade de indivíduos vivos”. É estimulante trabalhar num ambiente onde se vê essa busca pelo enfrentamento de novos desafios. Recentemente a instituição passou a contar com um Centro da Memória, com enfoque multidisciplinar e cooperação internacional na investigação, diagnóstico, prevenção e tratamento. Que um dia possamos esquecer o temor de doenças como o Alzheimer.
O poeta Dylan Thomas visitou os Estados Unidos pela primeira vez quando tinha 35 anos. Dramático, romântico e afeito a porres colossais, se tornou um ídolo para a chamada geração beat. Sua influência alcançou a música pop e inspirou o então jovem cantor e compositor americano Robert Allen Zimmermann, hoje Nobel de Literatura, a adotar o nome Bob Dylan em sua homenagem.
Dylan Thomas não chegou a alcançar a velhice. Ele morreu de alcoolismo em Nova York, aos 39 anos. Não teve a oportunidade de seguir seu próprio chamado à rebeldia em tempos mais provectos.
“Embora o sábio entenda que a treva é bem-vinda
Quando a palavra já perdeu toda a magia
Não vai tão docilmente nessa noite linda.”
Tudo é relativo e volto a citar Einstein. O cientista, que morreu em 1955, aos 76 anos, também escreveu e que isso nos sirva de lição: “Não envelheças, não importa quanto tempo vivas. Nunca deixem de ficar como crianças curiosas diante do Grande Mistério em que nascemos”. Com a devida vênia, entenda-se aí o “não envelheças” como envelheça, sim, mas com ardor e entusiasmo.
No clássico filme argentino Elsa & Fred, os veteranos China Zorrilla e Manuel Alexandre protagonizam um casal singular. A idade não impede que ela concretize o sonho de reviver a cena de Anita Ekberg, banhando-se na Fontana di Trevi em La Dolce Vita.
Há algo mais sensual do que o desejo de viver com alegria, do nascer ao fim de cada dia?
Foto da Capa: Reprodução do filme Elsa & Fred
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