Venho refletindo sobre como elaborar uma agenda portadora de futuro para a nossa cidade e o nosso país e que fuja de um debate maniqueísta sobre quais propostas estão corretas e quais estão equivocadas para pensar no futuro de todos nós. Este é um dilema recorrente nas redes sociais e confesso que venho me cansando com a falta de perspectivas, ideias diferentes e acirramento de ânimos, e que não nos levará muito longe.
Quando penso na gênese do Movimento POA Inquieta, noto que tal ação coletiva surge como um sopro de esperança, ao trazer uma pauta positiva e, sobretudo plural, que respeite às diferenças, focada no desenvolvimento de um “Propósito Comum”. Afinal, uma cidade ou um território só consegue evoluir se este “projeto maior” beneficie a todos e comprometa as pessoas neste processo de construção coletiva, de forma bem articulada, contemplando, de preferência, todas as forças vivas do lugar, incluindo organizações civis, empresários, academia e governo local.
Vários destes passos estão sendo dados, especialmente aqui em Porto Alegre, uma metrópole pujante, rica em talentos, mas que volta e meia retoma um certo ar de desalento e descrença daquilo que somos capazes, enquanto coletividade. Sim, é difícil e não se pode negar tal desafio, pois os custos de transação são elevados, na medida em que é preciso construir um diálogo de tolerância, resiliência e respeito aos stakeholders. De fato, não se trata de colocar os problemas e dificuldades deste movimento debaixo do tapete, mas sim, elaborar uma estratégia que supere tamanho desafio.
Uma estratégia que julgo interessante é tentar mudar o ponto de vista, evitando dar ênfase nas dificuldades inerentes para avançar, mas ao contrário, concentrar o olhar para as inúmeras oportunidades e recursos presentes neste contexto. Consequentemente, temos que ter maturidade para lidarmos com este pensamento meio bipolar, acolhendo, vez ou outra, sentimentos de desânimo e desalento, mas sem perder a convicção de que precisamos mudar nosso status quo para evoluir, enquanto sociedade local interdependente.
Desta forma, precisamos acabar com esta maldita “Síndrome de Vira-Latas sarnentos”. Mas isto é mexer com a cultura, que muitas vezes cerceia nossa vocação para expandir horizontes. E cultura é algo que leva tempo e demanda muita energia, sinergia, senso de propósito claro, múltiplos líderes, trabalho incessante, coragem e persistência. Precisamos seguir em frente, pois ninguém fará por nós, aquilo que nos cabe.
Todo mundo recorda do famoso Vale do Silício, localizado na Califórnia, como paradigma de progresso a ser copiado. É inegável o avanço daquela região, mas este exemplo singular não restringe outras possibilidades de avanço. Ao longo desta década, pudemos conhecer de perto, além deste habitat, outros três locais que demonstram um certo padrão de redenção, como esforço coletivo e plural, pautado em educação, ciência, tecnologia, inovação e bem estar público.
Na ordem cronológica de visita “in loco” apresentamos o “The Triangle Research Park“, localizado na Carolina do Norte (EUA), ancorado pelas cidades de Raleigh e Durham e pela cidade de Chapel Hill, lar de três grandes universidades de pesquisa : North Carolina State University, Duke University e University of North Carolina, em Chapel Hill, respectivamente, concebido na década de 50, portanto, pós-segunda guerra mundial, quando aquela região, baseada fundamentalmente na produção do Tabaco, decidiu diversificar sua economia, para evoluir. Foi assim graças a uma decisão de empresários locais que, baseado em um sólido sistema educacional, esta histórica região conseguiu, ao longo de décadas, atrair e fixar dezenas de iniciativas empreendedoras, formando uma crescente comunidade de alta tecnologia, incluindo empresas como: IBM, Lenovo, SAS Institute, Cisco Systems, NetApp, Red Hat, EMC Corporation e Credit Suisse First Boston(1).
Além de alta tecnologia, a região ainda hoje é classificada entre as três melhores nos EUA, com concentração em empresas de ciências da vida. Algumas dessas empresas incluem GlaxoSmithKline, Biogen Idec, BASF, Merck & Co., Novo Nordisk, Novozymes e Pfizer. O Research Triangle Park e o Centennial Campus da North Carolina State University, em Raleigh, apoiam a inovação por meio de P&D e transferência de tecnologia entre as empresas e universidades de pesquisa da região, desta forma, incluindo a Duke University e a University of North Carolina, em Chapel Hill, berço desta atitude.
Vale traçar um paralelo aqui, ao que movimentos recentes, protagonizados por iniciativas como o POA Inquieta, a Aliança para a Inovação e o PACTO Alegre, estão caminhando no mesmo sentido, mesmo que na prática, estejamos quase setenta anos atrasados. Todavia para fugir do pensamento de “vira-latas”, sempre há um começo para as transformações que precisamos. Não fosse assim, os egípcios não criariam Alexandria, pois os fenícios da Mesopotâmia já teriam criado um berço rico de prosperidade. O mesmo não faria os gregos, olhando para o que conquistaram os egípcios. Os romanos, por sua vez, se resignariam a uma cultura subalterna ao que era concebido por Athenas. Jamais os portugueses e espanhóis teriam descoberto as Américas (como a conhecemos) se os mesmos ficassem resignados à potência das cidades-comércio da Itália. E os norte-americanos não teriam chegado à lua, se estivessem estupefatos diante do grande feito soviético ao ter colocado o primeiro homem ao espaço, fora de nossa estratosfera.
A segunda região do planeta em destaque vem a ser a Coréia do Sul, um território de aproximadamente 50 milhões de pessoas, menor que o Rio Grande do Sul. A Coréia é uma das civilizações mais antigas do mundo e tem sido turbulenta com numerosas guerras, incluindo invasões tanto chinesas quanto japonesas. Desde o estabelecimento da república moderna em 1948, aquele país se debateu com sequelas de conflitos bélicos, como a Guerra da Coréia (1950-1953), e décadas de governos autoritários. Apesar de ser oficialmente uma democracia de estilo ocidental desde a fundação da república, as eleições presidenciais sofreram grandes irregularidades que só terminaram em 1987, quando ocorreram as primeiras eleições diretas e o país passou a ser considerado como uma democracia multipartidária. Sua economia tem crescido rapidamente desde a década de 1950.
Hoje em dia, é a 13ª maior economia do mundo e está classificado como um dos países mais desenvolvidos do mundo pela Nações Unidas, pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional. Também se encontra entre os países mais avançados tecnologicamente e um dos melhores em comunicações; é o terceiro país com o maior número de usuários de Internet de banda larga entre os países-membros da OCDE, sendo também um dos líderes globais na produção de aparelhos eletrônicos, como dispositivos semicondutores e telefones celulares. Também conta com uma das infraestruturas mais avançadas do mundo, e é o líder da indústria de construção naval, encabeçada por companhias proeminentes, entre elas a Hyundai Heavy Industries. Desde o início dos anos 2000, a Coreia do Sul é conhecida por sua cultura pop globalmente influente apoiada por financiamentos governamentais, particularmente na música (K-pop), dramas de TV e cinema, um fenômeno conhecido como Onda Coreana e hoje apresenta vários grupos ganhando os principais prêmios globais de cultura, como o Oscar e o Grammy.
Novamente o padrão se confirma: Líderes fortes, necessidade de sair de uma situação de penúria e exploração externa, propósito comum, sistema de educação forte e um dos mais rigorosos do mundo e grandes investimentos em P&D, fizeram uma verdadeira revolução naquele pequeno canto do planeta.
Por fim, trazemos a experiência vivida na cidade de Medellín, em 2018, organizada por representantes fundadores do Movimento POA Inquieta e que abriu uma frente importante de benchmarking, incentivando outros olhares através de missões sucessivas para que outros “inquietos” pudessem ver de perto o que fora construído por aquela cidade latino-americana.
Medellín, segunda maior cidade da Colômbia, é a capital do departamento de Antióquia e está localizada no Vale do Aburrá, uma região central incrustada no meio da Cordilheira dos Andes, até então de difícil acesso. Tendo atualmente uma população estimada em 2,5 milhões em 2017 e uma área metropolitana com mais de 3,7 milhões de habitantes, muito parecida em números a Região Metropolitana de Porto Alegre. Fundada em 1616 por exploradores espanhóis, sob o regime de castas sociais duríssimas, até o século XIX, passou a ser um centro comercial dinâmico, primeiro exportando ouro e depois café. Todavia, infelizmente, viu seu tecido social ser destroçado como resultado de uma guerra urbana desencadeada pelos cartéis de drogas ali constituídos, até o final dos anos 1980.
Inconformados por esta situação de degradação social, a cidadania local decidiu romper com aquela espiral negativa, recuperando seu dinamismo industrial, a começar com a construção do seu metrô de superfície, obra impecável e que cruza a cidade de ponta a ponta, contando com um sistema de radiais que trazem mobilidade a todos os seus cidadãos, com extrema eficiência, modernidade, incluindo teleféricos de alta tecnologia e segurança, aos rincões mais altos do seu vale de grande dimensão. Assim, aquela cidade liberalizou políticas de desenvolvimento, melhorou a segurança e melhorou a educação.
Atualmente, a cidade é considerada como pioneira de um “modelo de desenvolvimento local”, sendo promovida internacionalmente como um destino turístico e é considerada um tipo de cidade global gerando 67% do PIB do Departamento de Antióquia e 11% da economia da Colômbia. Medellín é importante para a região por suas universidades, academias, comércio, indústria, ciência, serviços de saúde, floricultura e festivais.
Em fevereiro de 2013, o Urban Land Institute escolheu Medellín como a cidade mais inovadora do mundo devido aos recentes avanços na política, educação e desenvolvimento social. No mesmo ano, Medellín foi anunciada como o destino preferido de negócios corporativos na América do Sul e ganhou o Prêmio Verónica Rudge de Urbanismo, conferido pela Universidade de Harvard à Empresa de Desenvolvimento Urbano, principalmente devido ao Projeto de Desenvolvimento Integral do Noroeste da cidade. A pesquisa mais recente sobre o status global das Cidades Inteligentes da Indra Sistemas catalogou Medellín como uma das melhores cidades para se viver na América do Sul, dividindo o primeiro lugar com Santiago do Chile, e ao lado de Barcelona e Lisboa na Europa. Medellín venceu o Prêmio Cidade do Mundo Lee Kuan Yew (ex-primeiro ministro e fundador de Cingapura), em 2016. O prêmio busca reconhecer e celebrar esforços para promover a inovação em soluções urbanas e desenvolvimento sustentável.
Três recortes históricos, de geografias e culturas bem distintas e que revelam atitude, coordenação, orgulho de sua terra e sua gente, mas acima de tudo, coragem para transformar sua realidade, em coletividade. Interessante constatar, nesta visita a Medellín, último recorte destas memórias, pudemos testemunhar muito bem esta estória, que um dos dirigentes da cidade disse que eles haviam baseado sua estória de transformação social, a partir do modelo de orçamento participativo de uma cidade latino-americana que ele no momento não se recordava.
Incrível perceber que Porto Alegre já inspirou tantos outros locais, ao ponto de receber a mais alta honraria na Stanford University, sendo criada uma cátedra em seu nome, levando alguns de seus líderes máximos, como o saudoso amigo César Busato, serem aplaudidos de pé, diante de uma plateia intelectual de grande reputação e respeito internacional. Concluindo, o processo de desenvolvimento depende totalmente de nós, com a firme decisão de deixarmos de nos sentirmos vira-latas sarnentos, para nos transformarmos em uma matilha sem raça definida, harmônica, corajosa e ciente da responsabilidade intransferível do futuro que queremos para todos nós.
>> 1.Cabe ressaltar que as referências e os detalhes foram extraídos da base de dados da Wikipédia, outra rede incrível que disponibiliza um universo de informações de forma rápida, livre, ágil e relevante à serviço de todos nós.
*Luís Villwock é especialista em inovação de territórios e agronegócios e articular do coletivo POA Inquieta. www.linkedin.com/in/Luís-Villwock