Em meio às irresponsabilidades e ao caos em que mergulhamos, os livros brotam na minha volta com muito viço e reacendem a minha esperança. São histórias que atravessam o mundo, histórias de jovens da periferia que descobriram o valor da escrita, histórias íntimas, histórias de uma diversidade impressionante, como as que apontam para maneiras acolhedoras e simples de lidar com a nossa saúde física e mental no cotidiano. E o nosso cotidiano, desde que as chuvas avançaram sem freios causando uma tragédia sem precedentes no Rio Grande do Sul, transformou-se em um motor perigoso que acelera a angústia, o medo e a impotência. Precisamos nos ouvir e ouvir o outro com calma e atenção para não desestabilizar por completo.
Há uma multidão para além das nossas portas e janelas seguras precisando de ajuda material e de uma palavra de conforto.
Neste universo da palavra e da escrita, hoje quero falar de uma publicação voltada para o movimento mundial conhecido como slow medicine, que joga luzes “em uma medicina sóbria, respeitosa e justa”, como o geriatra e clínico geral José Carlos Campos Velho, que assina a primeira orelha, refere-se à “Slow Medicine – Sem pressa para cuidar bem” (MG Editores, São Paulo, 2024, 1ª edição). O livro divulga os princípios e a filosofia deste movimento que chegou ao Brasil em 2016 através do site Slow Medicine Brasil. Os autores, Ana Coradazzi, oncologista paulista, especializada em cuidados paliativos, e André Islabão, clínico geral gaúcho, especializado em Medicina Interna, falam sobre a importância de se olhar para as diferenças, observar e respeitar as individualidades e “acompanhar as pessoas até o final de sua jornada terrena” com tempo, atenção, cuidados e afeto.
“Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”, escreveu o escritor português José Saramago, citado no livro. Saramago recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1998.
Segundo os autores, “a Slow Medicine entende a saúde como uma condição de bem-estar não apenas físico, mas também mental e social, o que ressalta a importância do ambiente e das escolhas feitas pela sociedade como um todo sobre a saúde de cada um”. Nossa saúde não depende apenas da medicina. Há um universo vasto, que às vezes é bem complexo e às vezes muito simples, a ser percebido em cada indivíduo que procura um médico. Por exemplo, o lugar em que nasceu, o ambiente em que vive, se tem moradia própria e adequada ou um emprego digno, por exemplo. São muitas as variáveis. Depende do nosso comportamento, das nossas escolhas, da nossa alimentação, do saneamento básico, das nossas relações pessoais e profissionais, da nossa educação, autonomia, dos cuidados, da prevenção, de uma relação franca com o médico, além de cuidados com o excesso de medicação e de exames clínicos. Não podemos esquecer que a medicina é também um grande negócio que envolve planos de saúde, hospitais, laboratórios, farmácias e por aí afora.
O livro traz conceitos e ideias de muitos colaboradores do movimento Slow Medicine Brasil e de outros países, que estão sempre estudando e trocando informações para qualificar as relações médico-paciente, a quem os autores agradecem. Assim como agradecem “aos pacientes e familiares que nos ensinam e inspiram todos os dias. É por eles que nos sentimos motivados a insistir numa medicina mais sóbria, respeitosa e justa”.
Recomendo a leitura deste livro que nos ensina a cuidar da vida, a olhar ao redor e cuidar do outro, assim como já recomendei a leitura de dois outros livros do André Islabão: “Entre a estatística e a medicina da alma – Ensaios não controlados do Dr. Pirro” (Pubblicato Editora, 2019), que acompanhei a produção e assino a primeira orelha, e “O Risco de Cair é Voar – Mors certa, hora incerta” (Ballejo Cultura & Comunicação, Pelotas/RS, 2022).
Foto da Capa: Ilustração da Capa do Livro “Slow Medicine – Sem pressa para cuidar bem”
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