Ano 40.000 d.C., a astronauta Barbarella, vivida pela atriz Jane Fonda, é enviada pelo “presidente” da Terra para capturar o criminoso Durand Durand. O vilão inventara uma arma potente e ameaçava trazer o mal novamente à galáxia, onde há séculos não existiam mais guerras. Barbarella é um filme franco-italiano de ficção científica de 1968. Uma comédia erótica dirigida por Roger Vadim, baseada nas histórias em quadrinhos de Jean-Claude Forest.
No domingo, 23 de fevereiro de 2025, Jane Fonda foi responsável por um show no palco da 31ª edição do Prêmio Screen Actors Guild (SAG Awards). O evento, promovido pelo sindicato de atores e dublês da indústria cinematográfica, aconteceu em Los Angeles, uma semana antes da entrega do Oscar.
A atriz Jane Fonda não estava atuando. Comparecera à cerimônia para receber uma homenagem pelo conjunto de sua obra.
A plateia a aclamou, aplaudindo de pé. Ela retribuiu, demonstrando todo o seu brilho e vigor. “O entusiasmo de vocês faz isso parecer, sei lá, não propriamente um crepúsculo tardio da minha vida. Soa mais um – Vai, garota, arrasa!” – disse ela e complementou: “Isso é bom, porque eu ainda não terminei!”
Felizmente, ela ainda não terminou.
Jane Fonda seguiu falando e, mesmo com problemas técnicos na produção da cerimônia, pôde demonstrar toda a sua experiência profissional. Quando foi interrompida por um escape de áudio de gravação, ironizou: “Eu consigo conjurar vozes”.
Ela conjurou bem mais. Fez uma reflexão sobre o que diferencia os trabalhadores ligados ao sindicato e aquilo que, talvez, seja a maior contribuição que podem dar ao mundo. “Não produzimos nada tangível. O que criamos é empatia. Nosso trabalho é entender outro ser humano tão profundamente que possamos tocar suas almas.”
Evocando clássicos do cinema, ela citou sua personagem trabalhadora do sexo em Klute – O passado condena. – “As atrizes podem tornar palpável a dor de mulheres que sobreviveram a abuso, incesto e automutilação.” Dirigindo-se aos atores homens, continuou: “Muitos de vocês interpretaram valentões e misóginos. E vocês sabem muito bem… que o pai deles os intimidava e os chamava de fracos, perdedores ou covardes”. “Embora você possa odiar o comportamento de seu personagem” – continuou ela – “precisa entender e ter empatia pela pessoa traumatizada que você está interpretando”.
Em seu discurso, Jane Fonda catalisou a essência do trabalho dos atores: revelar a humanidade fundamental de todos os tipos de pessoa. Numa época em que isso é ainda mais relevante. A sociedade vive uma crise, a empatia por indivíduos marginalizados é cada vez mais desprezada por aqueles que exercem o poder. – “Empatia não é fraqueza ou woke. Ser woke apenas diz que você se importa com outras pessoas” – enfatizou ela.
Talvez, a essa altura, deva-se esclarecer o significado do termo woke. Ele deriva do verbo wake (acordar, em inglês). Na acepção popular, seria “estar alerta” ou “estar esperto”. A palavra woke esteve em evidência durante as eleições norte-americanas de 2024, referindo-se à conscientização sobre questões especialmente ligadas à igualdade e à justiça social. Nessa era de polarizações, é usada com orgulho por uns e pejorativamente por outros. O dicionário Oxford aponta essa dualidade. Em acepção favorável, woke define: “gente consciente das questões sociais e políticas e preocupada com o fato de alguns grupos da sociedade serem tratados de forma menos justa do que outros”. E, de maneira diversa: “essa palavra é frequentemente usada de forma desaprovadora por aqueles que se opõem a novas ideias e mudanças políticas e acham que outras pessoas se incomodam fácil e exageradamente com essas questões”. Aquilo que, para alguns, seria “mimimi”.
Mas, voltando ao discurso, Jane Fonda exortou para a necessidade de bravura. Não é uma história sendo recontada, como tantas outras, um documentário de acontecimentos em que foi crucial resistir e lutar pela civilização. “Nós a estamos vivendo, nesse momento!”
“Mesmo que sejam de uma persuasão política diferente, precisamos apelar para nossa empatia e não julgar, mas ouvir de nossos corações e recebê-los em nossa tenda – porque vamos precisar de uma grande tenda para resistir ao que está vindo em nossa direção” – advertiu ela.
No encerramento, Fonda citou a afro-americana Pearl Cleage, ensaísta, escritora, poeta e ativista política: “Do outro lado da conflagração, ainda haverá amor. Ainda haverá beleza e haverá um oceano de verdade para nadarmos. Faremos isso!”.
Não foi surpresa. Jane Fonda não usou a premiação para fazer proselitismo. Além de atriz de destacada trajetória, ela também é notória e combativa ativista. Recebeu o apelido de “Hanoi Jane” por suas atitudes condenando a Guerra do Vietnã. Participou e promoveu filmes como Amargo Regresso, enfocando a situação dos veteranos. Síndrome da China alerta para os perigos da energia nuclear. Como Eliminar seu Chefe, embora divertido, é uma advertência feminista para o assédio sexual no trabalho. Ela também defendeu causas indígenas, em prol da saúde pública e da proteção ao meio ambiente, tendo sido presa em mais de uma dessas manifestações.
Quando Barbarella foi lançado nos cinemas, tornando a atriz um símbolo de beleza e erotismo, eu tinha oito anos. Não pude assisti-lo na época. Os cartazes e o trailer, no entanto, já me convenceram de que ela era capaz de salvar o universo. Jane Fonda, exuberante nos seus 87 anos, confirma o que eu já sabia: – Só Barbarella pode nos salvar.
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Foto da Capa: Divulgação