Hoje completo 1 semana em Paris. E esta semana foi intensa cheia de emoções e reflexões que o distanciamento do cotidiano permite, em um processo de intercâmbio, minuto a minuto com outras culturas. Mood de aprendizado, abertura e mudanças constantes exigindo flexibilidade e capacidade de cocriação de situações e de vivências.
Mas além da relação fluida com o cotidiano aqui, minha interação online diária com o Brasil também me permite reflexões, contrapontos com o que estou vivendo e vendo aqui. Como dizem: é preciso sair da ilha para ver a ilha.
Mas vamos lá: no dia 31.10 eu saí do meu hotel para ir comprar uma touca de lã, e fui até a Boutique do Shopping da Place d’italie. Até aí uma manhã tranquila de outono em Paris. Ao sair da loja peguei meu celular para conferir a quantidade de passos caminhados, mas fiz isto descendo a escada para a rua…. e simplesmente caí. Um tombo enorme. Os franceses dizem: vous tombé.
Após esta queda vivi um turbilhão de emoções me levantando, verificando a dor, e segui mancando com muita dificuldade, rezando para que este acidente pudesse ser mínimo como uma queda de criança amparada por seus anjos, que após um leve chorar, seguem brincando e está tudo bem. Mas não, a cada passo a dor me lembrava que sou humana e não uma personagem de filme. E que, sim, meu corpo pode sofrer efeitos maiores numa queda. E sofri. Sem saber ainda o diagnóstico tive um primeiro impacto com a gentiliza das pessoas.
Senti que minha vulnerabilidade foi acolhida em um processo de civilidade e visibilidade. Senti minha existência notada para além do medo ou julgamentos que sempre senti no Brasil, ao caminhar mancando durante todo o trajeto pessoas desconhecidas me perguntava se eu precisava de ajuda. O trajeto era longo, e a cada palavra gentil eu me sentia aquecida e me permiti chorar. Um choro leve de sentimento e agradecimento ao mesmo tempo. Apesar de assustada, me abri a viver este momento de interação em um espaço púbico me sentindo notada e acolhida.
Mulheres negras são ensinadas a superarem a dor, a esconderem suas vulnerabilidades porque na maioria das vezes não temos com quem contar além de nós mesmas. Somos requisitadas para tudo, somos o esteio da família, e assim ninguém oferece ajuda ou suporte. Porque afinal você dá conta de tudo sozinha. Meu momento atual tem sido transformar a minha feminilidade estabelecendo outra vivência longe da dor, da autosufiência tóxica e desta desumanização. Então, ser bem cuidada, acessar meu seguro e ter amparo emocional e físico foi uma vivência nova e incrível estando em um país teoricamente longe de “casa”. Paris foi mais minha casa neste momento do que quando estou no Brasil. Primeira nota de rodapé.
E a partir disto resolvi desenrolar esta história e minha postura nas redes sociais construindo uma narrativa longe da identidade de “guerreira” e muita mais sobre este processo de abertura e flexibilidade para lidar com situações de forma positiva vivendo os encantos, sim, da viagem, mas em uma perspectiva mais real, mais intima, mais local e singular.
Muitas pessoas me chamaram falando de olho grande, e eu comecei a rir e pensar: se eu acreditar nisto, eu darei força para que o poder maligno do outro me impeça de viver. E neste momento tudo que desejo e preciso é viver. Viver minha viagem, minhas escolhas, minhas visões, poder viver tem sido grandioso e a chave de confirmação de que meus passos estão no caminho que desejo.
E, neste caminhar, ao olhar para a minha ilha de fora, vejo que meu jeito fora do padrão inspira alguns e pode até inquietar outros, mas isto diz mais sobre cada um do que sobre mim mesma. E me fez refletir sobre este fato: só pode cair quem está caminhando. Quem está em movimento. Quem se expõe para a vida. E esta queda mesmo séria será leve.
Nesta primeira semana aqui em Paris:
1- Resolvi me despedir do Rana pessoalmente no mesmo dia queda, pois quero seguir meu caminho e desejei felicidades para que ele siga o dele;
2- Pensei em um projeto de conteúdo lindo para 2024;
3- Dei visibilidade a questão do trabalho remoto e a construção que faço há mais de 12 anos neste sentido como publicitária, consultora e mentora.
4- E, principalmente, olhei de fora pessoas e situações do Brasil que estavam me incomodando muito por suas energias contraditórias, entre discurso e ação prática em relação à diversidade;
5- E decidi que em 2024 irei morar aqui. Ainda não sei como. Mas sei que do jeito que sou já está realizado.
Como os franceses dizem: Bon Courage (boa sorte) para mim.