Sob as bençãos do Papa Francisco em Roma, o presidente Lula pode comemorar duas vitórias e o encaminhamento de outras no Brasil. Seu advogado particular Cristiano Zanin teve seu nome aprovado como novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Seus futuros colegas de Supremo exaltaram as suas qualidades, deram boas-vindas e previram uma boa atuação do indicado do presidente. Ministros do governo também celebraram a aprovação. Mesmo opositores, em particular bolsonaristas, evitaram críticas ao resultado da votação e a consequente confirmação de Zanin.
Primeiro indicado por Lula no atual mandato para o órgão, Zanin é amigo do presidente, para quem advogou nas ações da Operação Lava Jato e precisava do voto de ao menos 41 senadores (de um total de 81 integrantes da Casa) para ser chancelado. Obteve 58. Ele ocupará a vaga de Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril, e poderá ficar no STF até novembro de 2050, quando completar 75 anos, idade-limite para ministros da corte no cargo.
Arcabouço Fiscal
Já no Senado, na quarta-feira, o plenário aprovou o texto-base do projeto que cria o novo arcabouço fiscal, principal medida econômica do governo Lula (PT). Devido às mudanças aprovadas pelos senadores, a proposta voltará à Câmara dos Deputados para analisar as alterações. As bancadas do MDB, União Brasil, Podemos, PT, PDT, PSDB orientaram favoravelmente ao projeto. Apenas o PP, o Novo e o PL foram contrários ao texto. A bancada do Republicanos liberou os senadores para votarem como quisessem. Senadores rejeitaram os quatro destaques (sugestões de mudanças no texto). O projeto terá que ser novamente analisado pelos deputados, que entenda o novo arcabouço fiscal.
O novo arcabouço limita os gastos do governo federal e inclui regras para o crescimento dos gastos públicos para os próximos anos. Segundo o texto, precisa ser feita a avaliação bimestral de receitas e despesas. O crescimento das despesas fica limitado a 70% do crescimento da arrecadação do governo, se houver cumprimento da meta. Se a meta não for cumprida, o crescimento dos gastos fica limitado a 50% do crescimento da arrecadação do governo. As novas regras blindam o reajuste real do salário-mínimo, com aumento acima da inflação.
O Bolsa Família, por sua vez, não poderá ter aumento real em caso de descumprimento das metas. Para conseguir apoio na Casa, o relator do texto, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), precisou incluir gatilhos de ajuste fiscal. Em caso de descumprimento da meta, haverá sanções escalonadas em dois anos. No primeiro ano, o governo fica proibido de: criar cargos que impliquem aumento de despesas; alterar estrutura de carreiras; criar auxílios; criar despesas obrigatórias e conceder benefício tributário. No segundo ano de descumprimento, também ficam proibidos: reajustes de despesas com servidores, contratação de pessoal e realização de concurso público, exceto para reposições de cargos vagos.
Reforma Tributária
Para o mês de julho, o Congresso espera aprovar a proposta de reforma tributária que deve ser analisada na primeira semana de julho pelo plenário da Casa. O texto já foi discutido com governadores e outros representantes dos 26 estados e do Distrito Federal. “Será disponibilizado para que todos possam criticar e não será o que vai ser votado. Na reunião foram feitas sugestões e eu entendo que serão acomodadas diante do texto. É um tema complexo, o momento é agora e temos a obrigação de entregar a melhor reforma”, afirmou o presidente da Câmara. De acordo com Lira, o relator da proposta, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentará o texto da reforma ainda nesta semana.
Entre os principais pontos de discussão está a criação do Fundo de Desenvolvimento Regional. A medida permitiria aos estados reduzir alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para atrair investimentos. Segundo o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, o dispositivo seria uma forma de compensar a arrecadação de estados produtores, como os do Centro-Oeste e do Norte. Em outra frente, o fundo poderia destinar recursos para os estados consumidores, que atualmente concedem benefícios fiscais. “Como estados que não têm estrutura de outros poderão crescer? Precisamos de outra política para termos capacidade de crescimento”, defendeu Caiado, após o encontro.
EUA atento à eleição no Brasil
Quando o Brasil se preparou para a eleição presidencial em outubro do ano passado, governos ao redor do mundo ligaram sinais de alerta. Afinal, o presidente Jair Bolsonaro flertava abertamente com a subversão da democracia. Atacara o processo eleitoral, questionou as urnas eletrônicas usadas pelas autoridades brasileiras, chamando-as de não confiáveis e pedia uma eleição com voto impresso. Fazia insinuações constantes sobre o risco de a eleição ser fraudada, ecoando as denúncias feitas por Donald Trump nos Estados Unidos.
No final, a terceira vitória de Luiz Inácio Lula da Silva foi aceita sem questionamento sério da parte de Bolsonaro. O fato de a eleição não ter sido seriamente contestada é uma prova da força das instituições brasileiras. Mas foi também, em parte, resultado de uma discreta campanha de pressão travada pelo governo dos EUA ao longo de um ano para incentivar os líderes políticos e militares do Brasil a respeitar e salvaguardar a democracia, algo que não foi amplamente noticiado.
O objetivo foi reforçar duas mensagens consistentes para os generais brasileiros inquietos e os aliados próximos de Bolsonaro: Washington tinha posição neutra quanto ao resultado da eleição, mas não toleraria qualquer tentativa de questionamento do processo de votação ou do resultado. O Financial Times conversou com seis atuais ou antigos funcionários dos EUA envolvidos no esforço e também com figuras institucionais brasileiras para montar a história de como o governo Joe Biden travou algo que um ex-alto funcionário do Departamento de Estado caracterizou como uma campanha de mensagens “muito incomum” nos meses que antecederam a eleição, usando canais públicos e privados.
Todos fizeram questão de enfatizar que os principais responsáveis por salvar a democracia brasileira ameaçada pelo ataque de Bolsonaro são os próprios brasileiros e suas instituições democráticas, que se mantiveram firmes diante dos desafios extraordinários colocados por um presidente que queria se agarrar ao poder a qualquer custo.
“São as instituições brasileiras que realmente garantiram que as eleições acontecessem”, diz um funcionário sênior da administração dos EUA. “O importante foi que transmitimos as mensagens certas e mantivemos uma disciplina em nossa política.” Os EUA tinham razões geopolíticas claras para querer demonstrar uma capacidade de moldar os acontecimentos na região. A potência externa antes dominante na América Latina teve nos últimos anos sua influência erodida pela presença crescente da China. Washington também tinha uma motivação mais direta. Depois de apoiadores de Trump invadirem o Capitólio para tentar subverter os resultados da eleição de 2020, Biden, dizem funcionários americanos, rejeitava fortemente qualquer tentativa de Bolsonaro de questionar resultados de uma eleição livre e justa.
A campanha não foi isenta de riscos. Os EUA foram criticados frequentemente na região por interferir em suas questões internas. Em 1964, Washington apoiou o golpe militar no Brasil que derrubou o governo do presidente esquerdista João Goulart e deu início a uma ditadura que duraria vinte e um anos. Esses fatos alimentaram um ceticismo duradouro em relação aos EUA entre a esquerda brasileira, incluindo Lula, que disse em 2020 que Washington “sempre esteve por trás” de esforços para enfraquecer a democracia na região.
O governo Biden precisava encontrar uma maneira de transmitir sua mensagem sem que os EUA virassem um tópico político em uma eleição disputada a unhas e dentes. A solução encontrada foi uma campanha coordenada, mas não publicizada, entre múltiplas áreas do governo americano, incluindo Forças Armadas, CIA, Departamento de Estado, Pentágono e Casa Branca. “Foi um engajamento muito incomum”, diz Michael McKinley, ex-alto funcionário do Departamento de Estado e ex-embaixador dos EUA no Brasil. “Foi quase um ano inteiro de estratégia colocada em prática com um objetivo muito específico em vista – não de apoiar um candidato brasileiro ou outro, mas focada fortemente no processo eleitoral, em assegurar que o processo funcionasse.”
Inelegibilidade de Bolsonaro
Por último, o Tribunal Superior Eleitoral começou na quinta-feira o julgamento do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro que trata da ação em que uma reunião do presidente com embaixadores estrangeiros, em julho do ano passado, no Palácio da Alvorada, atacou o sistema eletrônico de votação e teve transmissão do sistema público de votação. Condenado, Bolsonaro ficará inelegível por oito anos.
Na ação, é acusado de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por ter transmitido a reunião por meio da TV Brasil. A ação é patrocinada pelo PDT. De forma liminar, o tribunal determinou a retirada das imagens do encontro das redes sociais e da transmissão oficial do evento por entender, à época, que fatos inverídicos foram divulgados. Se houver pedido de vistas, a decisão pode retardar em dois ou três meses, porém, há convicção, do próprio ex-presidente, que há maioria para condená-lo.
Foto da Capa: Agência Brasil