Amigos verdadeiros são companheiros de ciranda, com quem levamos a existência em passo de dança e alma leve.
Considerado o criador e o maior representante do gênero ensaio, o francês Michel de Montaigne (1533-1592) discorreu sobre os mais diversos aspectos da natureza humana em seus textos publicados ao fim do século XVI. Toda a sua bibliografia se mantém influente mais de 400 anos após a sua morte; pouco de seus escritos, no entanto, são capazes de tocar o leitor contemporâneo de maneira tão intensa quanto Sobre a Amizade.
Sua escrita tem caráter pessoal. Busca nos hábitos e meios de seu próprio convívio as questões referentes à humanidade. Assim, ele utiliza, como base de seu estudo acerca da amizade, a relação que manteve com o também filósofo La Boétie – “tão inteira e tão perfeita que com certeza não se pode ter sobre nenhuma igual”.
Num trecho de seu ensaio, ele afirma: “No fim das contas, o que chamamos comumente de amigos e amizade são apenas relações e familiaridades ligadas por algumas coincidências e comodidades, pela maneira que nossas almas cuidam uma das outras. Na amizade da qual falo, elas se misturam e se confundem em uma mescla tão universal que elas apagam e não encontram mais a costura que as uniu”.
A amizade, para Montaigne, “é uma experiência que marca para sempre a vida de um indivíduo, porque com ela o homem toma consciência do quanto é humano, na doação, na negação do privado, o homem vive a plena experiência do outro”.
Ainda nas palavras de Montaigne: “Na amizade da qual falo, se um amigo pudesse dar algo ao outro, o receptor criaria uma obrigação para o companheiro. Porque cada um deles, mais do que qualquer coisa, busca o bem do outro, então aquele que cria os meios e as ocasiões para tanto é, na verdade, o mais generoso, já que dá ao amigo a alegria de poder fazer o que mais deseja”.
Para o poeta, pintor, gravurista e tipógrafo inglês, William Blake (1757-1827), pouco valorizado em vida e, atualmente, considerado uma figura seminal na história das artes visuais e da poesia: “A ave constrói o ninho; a aranha, a teia; o homem, a amizade”. Essa analogia, unindo o acolhimento do ninho, a estrutura de uma teia a esse sentimento ímpar, diz muito.
Se o pensamento parece uma coisa à toa, aproveito para agradecer o privilégio das amizades que pude entremear ao longo do tempo. Esse mesmo tempo que voa e nos aconselha a dar valor às raridades.
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Foto da Capa: Tom Sayer e Huck Finn, C.M. McMillan.