Mas já adianto: não vejo a fofoca como algo inerentemente recriminável – estou falando de uma preferência minha, provavelmente algo que tenha relação com minha própria história.
Já me explicaram de várias formas o quanto falar da vida dos outros é civilizatório, que é uma forma de contar a vida, que o laço social se sustenta nessas ficções que fazemos uns dos outros. Uma vez que somos seres de linguagem, narrar e ser narrado é o nosso modo privilegiado de estar no mundo. Nos constituímos na medida em que somos testemunhas e também testemunhados pelos nossos próximos.
Inclusive alguém já me disse ser um contrassenso que um psicanalista não goste de fofoca, afinal, é próprio do meu ofício o interesse pela vida dos outros.
Sim, verdade que todo psicanalista precisa ser movido por alguma curiosidade pela história alheia, até porque esse olhar é contagioso: quando falamos de nós para alguém, nos tornamos tão mais atentos à nossa narrativa quanto percebemos que ela desperta algo no outro.
Não raras vezes, recebo em meu consultório pessoas que não vêem graça em suas vidas, que julgam que sua existência não é digna de ser contada. É comum, nessas situações, que esses pacientes tenham encontrado ao longo de sua trajetória pais ou familiares que não os tenham visto com interesse.
Os exemplos paradigmáticos disso são os filhos do meio, nem tão valorizados quanto o primogênito, nem tão excepcionais como o mais novo. Ou aqueles filhos de pais muito centrados em si mesmos, seja por viverem uma vida material muito dura ou por terem dificuldades de olhar para a geração seguinte como herdeira da narrativa familiar.
Mas ainda que haja este ânimo por saber sobre a vida dos outros, acredito que existam poucos ofícios mais avessos à fofoca do que o do psicanalista. E isso justamente porque existe um pacto fundamental que está na base de todo tratamento: o sigilo absoluto e irrevogável.
Nada, absolutamente nada, do que é falado em um consultório pode ser publicizado pelo terapeuta. Simples assim. Não houvesse este acordo, muitos temas dificilmente seriam mencionados em uma análise. Quem se sentiria à vontade para falar de sua vida sexual se não confiasse plenamente no seu analista? Quem teria coragem de contar de alguma situação que lhe provocou embaraço ou constrangimento?
Mas o sigilo profissional também tem o seu lado mais controverso: o que fazer quando um paciente nos fala de sua intenção de matar alguém? Ou quando relata em sessão ter cometido um crime, uma transgressão? Nesses casos, em geral, o psicanalista estaria no lugar de cúmplice, e não de testemunha da vida do outro.
Claro que aqui estamos bem longe da fofoca, mas ainda assim há algum elemento em comum: alguém fica sendo depositário de um segredo, muitas vezes de uma confissão. E, não raro, nem todas as partes interessadas participam da cena.
O mesmo ocorre quando alguém nos conta um segredo, especialmente quando não somos avisados antes. No exato momento em que ficamos sabendo de algo que não deveria ter chegado até nossos ouvidos, somos também responsáveis por esta informação.
Situações como essas evidenciam o quanto a palavra tem poder, o quanto falar tem consequências. Falar é um ato ético.
Contar um segredo é um exercício de poder. Saber de algo à revelia de alguém é uma forma de subordinar involuntariamente essa pessoa a um jogo hierárquico onde saber e poder se confundem. Mais ainda: aquele que fica sabendo do segredo também está em uma posição delicada, na medida em que, muitas vezes, precisa fazer algo com esta informação, ainda que seja escondê-la, ou até mesmo acaba sendo colocado neste lugar de poder sem ter pedido por isso. Um segredo é como um spoiler: uma vez que se saiba, não há como voltar atrás.
Uma das situações mais cruéis em que alguém pode estar é a de ser o único em um grupo que não sabe de algo que seria de seu interesse, que lhe diria respeito. Mesmo quando a intenção for, por exemplo, poupar a pessoa de algum sofrimento, ainda assim essa configuração não deixa de ser um exercício de poder. Segregar alguém de uma informação que também lhe implica é uma modalidade de violência discursiva.
Mas creio haver uma diferença fundamental entre o segredo e a fofoca: no primeiro caso, estamos falando de uma informação que realmente não deveria ter sido passada adiante. No segundo, em geral, estamos em um campo mais matizado: não é incomum que aquilo sobre o que se esteja falando não seja necessariamente sigiloso. Inclusive, como nos casos da celebridades, podem ser mesmo situações que se desejaria que fossem expostas.
É o caso dos famosos que, quando estão fora da mídia, fazem qualquer coisa para estarem de volta aos tabloides e aos feeds das redes sociais. Nessas situações, acaba valendo aquela máxima, típica de nossos tempos: falem mal, mas falem de mim.