Compramos a gaiola antes de ter o pássaro. Era linda e exótica. Tinha a forma da torre cilíndrica do Palácio da Pena em versão reduzida. Também era amarela e foi envelhecida com pátina.
Pintado foi o nome que escolhemos para o passarinho que veio depois da morte do peixinho Brigão, o betta azul.
Era um pássaro pequeno, com penas cinza escuras e com pequenas manchas brancas. Nome científico: Drymophila squamata. Pintadinho é o nome pelo qual é vulgarmente conhecido. Nosso pintadinho foi batizado de Pintado desde o primeiro momento. Chegou caladinho e assim ficou por algum tempo.
Estranho ter um pássaro silencioso. Todos os dias eu esperava seu canto, e nada! Hoje, minha estranheza seria outra: como pude manter um pássaro preso em uma gaiola? Era outra época. Era outra minha consciência.
Uma manhã escuto um som que em nada parecia com um piado de pássaro. Era quase um “miau”. Pintado não piava, ele miava. Isso fez com que se tornasse nosso pássaro especial.
Não dava trabalho. Bastava alimentá-lo, deixar sempre o bebedouro com água fresca e trocar o papel do fundo da gaiola. Ele saltava de um poleiro para o outro e “miarpiava” de vez em quando.
“Pássaros nascidos em gaiolas acreditam que voar é uma enfermidade”. São estas as palavras de um conhecido escritor. Pintado devia achar que cantar também era, por isso, nem voava, e nem cantava. E assim acrescento uma nota à frase de Alejandro Jorodowsky. “Pássaros nascidos em gaiolas acreditam que voar – e cantar – são enfermidades.”
Que pena ter a liberdade tolhida! Pobres as criaturas que estão destinadas a passar toda uma vida confinadas. Sejam pássaros, sejam pessoas. A metáfora de
Jorodowsky também nos serve.
Pensando sobre o pássaro Pintado, me pego refletindo sobre comportamentos humanos. Quantas vezes, voluntariamente, nós nos trancafiamos em nossas próprias gaiolas? Deixamos sonhos ancorados e nos contentamos em pular de um poleiro para o outro, sempre e quando estiverem no nosso ciclo fechado. Questionamos nossa própria habilidade de voar e criticamos o voo e os sonhos dos outros.
Somos treinados para o conformismo e essa é a nossa “gaiola mental”. Aceitamos sem confrontar e assim evitamos a angústia da liberdade. Muitos de nós, mesmo tendo a capacidade de “voar” e “cantar”, preferimos nos manter fechados, limitados por medos, convenções sociais ou autossabotagem.
Que egoístas somos. Que egoísta fui ao achar especial meu pássaro que não cantava. Sua natureza era a liberdade.
“O primeiro passo para sermos livres é perceber o que nos prende.” Estou um tanto afeita às frases Alejandro Jorodowsky hoje. Talvez seja porque acabo de me permitir fazer uma escalada indoor pela primeira vez. Ao chegar lá em cima, aos quase trinta metros de altura, tive que largar as pegas da parede e confiar que a descida seria tranquila e suportada pelo cabo que me sustentava.
Braços abertos e queda suave. Foi uma espécie de voo. Logo eu, que morro de medo de altura.
Pintado morreu na gaiola e eu levei anos para entender que ele tinha perdido sua essência. Cantar miando era um lamento. Não era virtude, era tristeza. Ele não era especial. Simplesmente não pôde escolher como queria viver.
Por mais voos e menos gaiolas, para pessoas e pássaros. Anseio a liberdade que não pude lhe dar.
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
Mais textos de Pat Storni: Leia Aqui.