“Há momentos históricos que parecem mais difíceis, penosos e geradores de um sofrimento que se torna social, comum, senão a todos, a muitos”.
Essa frase foi escrita por Kurt Erich Suckert, mais conhecido pelo pseudônimo Curzio Malaparte (1898-1957). Ele foi um múltiplo: escritor, jornalista, dramaturgo, cineasta, militar e diplomata italiano. Deixou-nos relatos, tão fascinantes quanto dolorosos, da primeira metade do século XX.
Fico me perguntando, o que ficará de registro do nosso tempo que reproduz tantos movimentos e tendências? Conflitos que pareciam deixados para trás, na esquina do milênio. O primeiro quartel deste século presta continência e espelha-se no que é centenário. Dá a impressão de um jogo de videogame, o assassinato de Francisco Ferdinando e sua esposa Sofia, repetindo-se à exaustão. As notícias de Sarajevo, lidas, relidas, relidas e relidas pelo personagem Phil Connors, jornalista enviado a Punxsutawney para a cobertura do Dia da Marmota. Icônica interpretação do ator Bill Murray no filme de 1993, “Feitiço do tempo” (Groundhog day).
Filmes e livros nos salvam. Resgato aqui uma recomendação de uma obra de ensaios e crônicas, publicada à época do seu lançamento. Uma fotografia e sua legenda em três versos – tentativa de um haicai: “No embalo do livro / Alento, razão, acalanto / Futuro possível”.
Na imagem, a leitura daqueles dias repousa numa rede de balanço. O livro, um volume azul escuro, traz na capa a gravura de um farol que emite um facho de luz alaranjada. Ao fundo do retrato, fazendo-se de moldura, a pérgula. Refúgio no litoral em dias de distanciamento. Lânguida, espreguiça a Bougainvillea em flor. Cores de primavera: lilás, sobretudo.
Nos tempos do Covid, os psicanalistas Abrao Slavutzky e Edson Luiz André de Sousa souberam nos abraçar com “Imaginar o amanhã” (Editora Diadorim, Porto Alegre, 2021). Um inventário da terra arrasada, onde não falta a análise precisa e douta, mas em linguagem acessível e acolhedora. Solidária cordialidade. Traduzem o estranhamento, em meio a uma ópera bufa e infame, que seria apenas surreal, não fosse dolorosamente trágica.
Em “A raiz da esperança”, ensaio que dá título à obra homônima (Editora AGE, 2010), o médico e escritor Franklin Cunha nos ensina: tem a mesma origem etimológica das sementes, a esperança. Esta coisinha preciosa que sobrou esquecida na caixa de Pandora, quando todos os males se miliciaram pelos sem fins da terra plana.
Slavutzky e Sousa imprimem um direcionamento de luz sobre uma sementeira, de onde se espera brotação revigorante do bom senso e da fé na justiça.
Tenho convicção no poder terapêutico da esperança, uma ferramenta que é utilizada de forma exemplar e dadivosa pelos dois autores-pensadores-terapeutas no imprescindível “Imaginar o amanhã”.
O livro é indicação perene, algo como a prescrição de um bálsamo. A prova de que aquele período, apesar dos pretensos pândegos e da pandemia, também teve os seus acertos e triunfos.
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Foto da Capa: Acervo do Autor.