Fui para a praia. Nela, curti alguns dias de descanso. Acordei tarde, tomei longos cafés da manhã, passei o dia à beira-mar, sem hora para almoço ou jantar, me poupei de notícias de qualquer fonte, praticamente abandonei as redes sociais, dormi à tarde. Me dei o direito.
Sou profissional liberal e, talvez por isso, tenho uma dificuldade intensa de dizer não ao trabalho. Estar disponível é um princípio. No entanto, dessa vez, consegui me dar o direito de parar. Estabelecer um limite. Foram por poucos dias, mas fiquei feliz pela conquista.
Mesmo sabendo que podia parar, que merecia parar, que devia parar para reenergizar e me cuidar, bateu o sentimento de culpa e me peguei pensando sobre o que precisava fazer, providências a tomar nos dias “parada”. Fiquei olhando ao redor e buscando atividades pela casa por fazer: lavar e secar a louça, arrumar a cama, dobrar as roupas, estender as toalhas, lavar e preparar as verduras e legumes para as refeições, uma varridinha na casa…? Então percebi o quanto o machismo estava me atrapalhando. A mulher impregnada em mim ainda é aquela que serve e cuida da casa. Nada acostumada a se dar o direito.
Aí, nesse momento em que apenas queria usufruir ficou um vazio, como se algo estivesse faltando. Não parecia natural. Como assim, eu aproveitar e relaxar? Onde estavam os afazeres? As responsabilidades? As pessoas que precisava cuidar, além de mim mesma?
Trabalho com diversidade de gênero. Estudo sobre isso. Converso com pessoas de todas as idades e classes socioeconômicas a respeito. No entanto, quando alguém se imagina livre de qualquer estereótipo e preconceito a respeito sempre afirmo que é fantasioso. Em alguma medida todos temos. Dar-se conta deles, ajudará a diminuir seus efeitos sobre nós (inconscientes) e ampliará o nosso crescimento pessoal e interpessoal.
Nestes dias eu li o livro “Dentro do Nosso Silêncio”, da escritora carioca radicada em Recife Karine Asth, um livro que trata sobre maternidade e paternidade, que recomendo. Lembrei dele agora porque (spoiler, não leia se não quiser saber) depois de muito responsabilizar fatores externos pela situação em que se colocou, a personagem principal percebeu que precisava mirar internamente suas questões. Caso contrário, ela não se daria direito a melhorar. Enxergar nosso lado bonito é fácil, mas encarar o que não gostamos em nós mesmos, mesmo que seja pro nosso próprio crescimento, é sinal de grande coragem, mas também de dor. Essencial pra quem quer ser gente grande e feliz.
Também nesse período de “me dar o direito” li outro livro, “Irmã Outsider”, de conferências e ensaios da poetisa e feminista negra Audre Lorde. Num destes escritos, Audre Lorde escreve sobre a deturpação do conceito do “erótico”, que vem do grego “eros”, ou seja, do amor em todos os seus aspectos e não apenas conectado ao sexo como normalmente é pensado. Na sua linha de pensamento, nós mulheres (mas acrescentaria todos nesse texto) precisamos nos apoderar do erótico em todos os níveis de nossas vidas: “Para além do superficial, a estimada expressão “me faz sentir bem” atesta a força do erótico como um conhecimento genuíno, pois o que ele representa é a primeira e a mais poderosa luz que nos guia em direção a qualquer compreensão…O erótico opera de várias formas… a primeira delas consiste em fornecer o poder que vem de compartilhar intimamente alguma atividade com outra pessoa. Compartilhar o gozo, seja ele físico, emocional, psíquico, ou intelectual, cria uma ponte entre as pessoas que dele compartilham… outra maneira importante… é ressaltar de forma franca e destemida a minha capacidade para o gozo…seja dançando, montando uma estante, escrevendo um poema, examinando uma ideia…Essa autoconexão compartilhada é uma extensão do gozo que me sei capaz de sentir, um lembrete da minha capacidade de sentir…pois uma vez que começamos a sentir com intensidade todos os aspectos das nossas vidas, começamos a exigir de nós, e do que buscamos nas nossas vidas, que estejamos de acordo com aquele gozo do qual sabemos capazes. Nosso conhecimento erótico nos empodera.”
O aprendizado se faz com a união da emoção com a razão. Mas ele se consolida apenas se a emoção estiver contida nele. Tudo isso para dizer que esses livros foram importantes nesses dias nos quais “me dei o direito” de descansar e parar. No entanto, somente quando refleti sobre o vazio que habitava em mim, entendi as emoções que orbitavam sobre as escolhas que vinha fazendo, acolhendo o que sentia e compreendendo meus acontecimento.