“O meu lugar é o lugar da defesa da democracia, o meu lugar é o lugar da defesa do meio ambiente, do combate à desigualdade, do desenvolvimento sustentável, da proteção da biodiversidade, de projetos de infraestrutura necessários ao país”. Marina Silva (Agência Brasil, 27/5/2025).
O tema do respeito e tolerância está na ordem do dia. Por todo o lado, a exigência de respeito é invocada pela população, grupos sociais e movimento LGBT+. O tema retornou na semana passada com o episódio da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que deixou a audiência na Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado após ser atacada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM). Ele ia fazer uma pergunta, mas afirmou que a ministra não merecia respeito. A fala repercutiu nas redes sociais: “Estou falando com a ministra e não com a mulher, porque a mulher merece respeito, a ministra, não”, afirmou Plínio Valério.
A ministra está no centro do debate sobre a criação de quatro unidades de conservação marítimas no Amapá, exploração de petróleo na Foz do Amazonas, do Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental e a extensão da BR-319. Ela deixou a sessão e, após, disse: “O que não pode é alguém achar que, porque você é mulher, é preta, vem de uma trajetória de vida humilde, que você vai dizer quem eu sou e ainda dizer que eu devo ficar no meu lugar. O meu lugar é onde todas as mulheres devem estar.” Ela tem toda a razão e recebeu o apoio de toda a sociedade. Não é a primeira vez que Plínio Valério ataca a ministra. Em um discurso no Amazonas, disse: “Imagine o que é tolerar a Marina por seis horas e dez minutos sem enforcá-la”, frase que para mim já seria suficiente para a cassação de seu mandato. Homens como ele e Omaz Aziz têm interesses econômicos ao fazerem isso: culpam ela pela não aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021 que muda as regras do licenciamento ambiental. Para eles, é o dinheiro e não o respeito, uma coisa séria.
Deveria ser o contrário. Por isso, é necessário mais uma vez voltar aos conceitos. É preciso mais uma vez refletir sobre o que é respeito, o que merece respeito e a defesa de uma ética do respeito como proposta para a tomada de posição sobre valores de nossa época. O caso da ministra Marina Silva deve nos fazer refletir sobre como as atitudes de respeito invocam nossas atitudes morais. Por ser um tema rico, do qual a maioria das pessoas já tem uma noção, é maior a dificuldade de definir seu conceito, o seu essencial. Josep Esquirol, em seu O respeito ou o olhar atento: uma ética para a era da ciência e a tecnologia (Autêntica, 2008), afirma que “o essencial do respeito é dado pelo olhar. Sabemos que pessoas e coisas devem ser respeitadas, que merecem respeito, o que significa que o respeito é uma atitude ética que nos vincula diretamente com as coisas, com o mundo” (p. 8). Refletir sobre o que merece respeito nos conduz à ideia de harmonia, fragilidade e segredo, pois só a partir delas entendemos por que coisas do mundo são dignas de serem respeitadas.
Os políticos que desrespeitaram a ministra Marina Silva o fazem porque já desrespeitam o seu mundo, o da defesa do meio ambiente. Este é um bom momento histórico para entender a importância de uma ética baseada no respeito para o mundo, para com as mulheres, para com todos. Por todo o lado, vemos conquistas sociais, produtos da luta de trabalhadores, sendo “desrespeitadas”; vemos categorias sociais que conquistaram seu espaço sendo produto de ataque sistemático de pessoas e organizações e vemos instituições e pessoas importantes sendo desrespeitadas no exercício de sua função, como a ministra Marina Silva: nesse quadro, vemos que formas de ver e entender o mundo estão em processo de corrosão. Para Esquirol, uma das razões é o papel que assumiu a ciência e tecnologia. “Meu objetivo consiste em mostrar que o respeito é o eixo de uma cosmovisão diferente da tecno-científica”, porque, segundo o autor, ela nos torna menos unidimensionais e mais equilibrados do que a cosmovisão científica, cujo efeito é tornar superficiais qualidades humanas essenciais em benefício da produtividade.
A linguagem coloquial
O respeito é uma palavra do dia a dia. Todo mundo usa, sabe o que significa, entende que pessoas e coisas devem ser respeitadas, serve para a construção de um discurso moral e político, mas ainda assim, como diz Slavoj Zizek, teimam em agir como se não soubessem nas práticas da falta de respeito. Diz Esquirol que o respeito “aparece por toda parte: “o respeito à dignidade humana”, “o respeito às coisas públicas”, “o respeito ao meio ambiente”, “o respeito aos antepassados”, “o respeito a si mesmo”, “o respeito à justiça e à liberdade”, “o respeito à lei”, “o respeito às obras de arte”, “o respeito aos animais e à natureza”, “o respeito ao sagrado” (p.9). Para Esquirol, a primeira característica do respeito é que ele é uma relação intencional, uma atitude que se expressa pelo imperativo “respeitar a…”. A segunda característica é que é um tipo de atitude que expressa uma virtude, a do “homem virtuoso”. Tanto que o respeito começa pela língua, pelo uso de uma “linguagem respeitosa”, quando nos dirigimos ao outro, evitando a linguagem vulgar, inconveniente, grosseria, marcada por insultos e ofensas. “Falar respeitosamente de alguém significa ter cuidado com as palavras que se usa com relação a ele ou ela, evitando termos demasiado diretos e escolhendo, de preferência, os que se referem ou alcançam essa pessoa de forma suave e medida; palavras que, definitivamente, são capazes de guardar sempre uma distância, a ‘distância respeitosa’” (p.10). Todo aquele que não tem esse cuidado não é um homem virtuoso, lugar exato ocupado pelo senador Plinio Valério: a sociedade sabe disso e já é grande o abaixo-assinado para sua perda de mandato.
O problema é que todas estas definições ainda são imprecisas para definir o que é respeito. O respeito pressupõe reconhecimento, é definido primeiramente pela atenção: “tratar alguém ou algo com respeito significa, por enquanto, tratá-lo com atenção. Em alemão, a palavra Achtung significa tanto respeito como atenção. A essência do respeito é o olhar atento”, por isso há respeitos superficiais, porque não sobrevivem ao crivo do olhar atento. Nem tudo o que olhamos acabamos respeitando, mas a questão é justamente essa, a de que possamos olhar as coisas e as respeitemos nesse processo.
O olhar atento é um olhar ético
O paradoxo do olhar é que é o sentido mais fácil de ser exercido, ao mesmo tempo que contrasta com a dificuldade do seu exercício, de “olhar bem”. Não é suficiente olhar para ver os objetos, é preciso reparar bem, prestar atenção para perceber sua profundidade. A televisão tem sucesso porque exige de nós apenas a percepção, não exige esforço de reflexão – ainda que alguns filmes de grandes cineastas estejam exatamente sendo construídos nesse sentido. É que olhar bem é dirigir o olhar, é concentrar-se, e por isso supõe esforço que tem como consequência o cansaço. A economia de poupança energética faz com que o olhar atento se torne incomum e raro.
Para Esquirol, a importância do respeito, do olhar atento, está não apenas em resgatar o outro, mas resgatar o próprio indivíduo, a si mesmo. É que a atenção dota o olhar de um significado moral, ele inclui um olhar da mente, “é com os olhos fechados que vemos mais claramente” (p.12), diz o autor, “nem todos que olham, veem”. Para Esquirol, quem afasta o olhar é quem melhor vê, porque a natureza do olhar é de chegar rapidamente e sem intervenções, é o mais indiscreto dos sentidos, por isso precisa ser desviado em muitas ocasiões. “O olhar atento é o que sabe olhar com discrição. Olhar atentamente não é cravar o olhar, e sim dirigir o olhar com cuidado, sem pressa e com flexibilidade suficiente, de maneira a poder desviá-lo assim que a situação o exija” (p. 13). Quer dizer, o olhar tem sempre uma dimensão ético-moral. O olhar atento é um olhar ético. Nosso olhar indiferente tem sempre uma significação moral, pois ignorá-lo contrasta com ser solidário a ele, considerá-lo. Por isso entendemos “haver tido uma atenção com alguém” como sinônimo de “tratá-lo com respeito”. Se não olhamos com atenção, podemos pisar.
A atenção é o primeiro movimento com significação ética, o respeito requer atenção, e a atenção, uma aproximação. “Haver tido uma atenção para com alguém equivale a havê-lo tratado com respeito”, afirma Esquirol. Tudo se resume às formas pelas quais não somos indiferentes ao outro, reparar sempre é converter alguém com o destino do olhar “sem olhar, sem notar, não apenas desconheço, mas até posso pisar. A ignorância é antagônica ao respeito”, afirma. A filosofia antiga registrou isso nas Dissertações de Epicteto, quando diz que prestar atenção é garantia de boa conduta e de felicidade, além de apontar para a dificuldade de prestar atenção quando já se perdeu o costume de fazê-lo. “Porque ser atento é um hábito, uma maneira de proceder na vida”, afirma. A atenção procede da escola da vida. A ética do respeito não pode ser nenhuma fuga do mundo dos problemas éticos, ela está a serviço da orientação. “Quem presta mais atenção melhor se orienta e mais respeita.”
Não há sociedade sem respeito
A sociedade depende do respeito dos filhos pelos pais, do cidadão às leis e costumes, aos lugares e instituições. Esperava-se isso também dos políticos, mas o objeto de respeito mudou ao longo do tempo, de uma cultura para outra. Práticas de sacrifício de culturas do passado deixaram de ser objeto de respeito, bem como direitos e privilégios de determinadas classes sociais ligados a uma concepção hierárquica de sociedade. “É demasiado frequente que o que deve ser respeitado não o seja, e que o que é efetivamente respeitado não deveria sê-lo” (p. 16). A falta de respeito é considerada por todos um mau sintoma social. Menos para os maus políticos que usam o desrespeito para atingir seus objetivos mercantis.
A origem do respeito como necessidade social está associada ao mito de Prometeu, como descrito no Protágoras, de Platão. No mito, Epimeteu foi encarregado de distribuir as capacidades entre homens e animais. Quando chegou aos homens, havia gastado todos os dotes e não sabia o que fazer. Então deu a capacidade de fazer fogo ao homem, e o homem inventou a linguagem e a técnica que lhe permitiu criar o mundo. Mas ainda viviam dispersos, expostos ao perigo e, ao viverem nas cidades, se atacavam entre si. Então Zeus interveio e deu ao homem algo que ainda precisava, a justiça e o respeito. “Zeus temeu que toda nossa raça sucumbisse e enviou Hermes, encarregando-o de dar aos homens o respeito e a justiça (aidos e dike), para que houvesse ordem nas cidades e vínculos de amizade entre seus habitantes.”
O respeito é visto como essencial à sociedade humana porque é fundacional, está vinculado à ordem que permite a existência da humanidade. No passado, porque era uma relação clara com o sagrado, uma relação originária, o respeito máximo era aquele que era devido ao sagrado. A dificuldade é porque, na nossa sociedade, o sagrado perdeu o seu sentido pela emergência da visão técnico-científica do mundo. Por que no passado o sagrado era motivo e prática de respeito? Porque obrigava o homem a se inclinar àquilo que era considerado a fonte de vida, daí o respeito aos deuses, aos antepassados e aos textos fundacionais como a Bíblia. “A relação respeitosa com o fundacional é o que assegura a perduração e a subsistência do mundo humano” (p. 18). Por isso, o respeito nesse universo ocupa um lugar moral importante.
A oportunidade da ética do respeito
A conveniência de uma reflexão sobre a ética do respeito para o mundo contemporâneo se faz porque pode nos orientar a ter uma visão mais rica do mundo. A reflexão sobre a atitude respeitosa possibilita, por exemplo, o combate a dois valores dominantes em nossa sociedade: a indiferença e a avidez pela posse e consumo. “A nossa é uma época de enaltecimento da facilidade: ser indiferente não custa nada: para ser indiferente basta não fazer nada. E, exceto o dinheiro, o consumo tampouco custa: todo o potente sistema econômico atual parece uma imensa conspiração tramada para nos submergir em um consumo fácil e desmedido. O movimento do respeito contrasta com essas tendências predominantes: enquanto a indiferença é a distância total, o respeito coincide precisamente com a proximidade (com esse acercamento que mantém, ao mesmo tempo, certa distância). O preocupante é o excesso de um tipo de movimento e a carência de outro: a sociedade contemporânea se caracteriza muito mais pela indiferença e pelo consumo do que pelo respeito” (p. 19).
A técnica tem configurado não apenas a vida, mas a visão da vida. O poder técnico-científico configura o social e o habitat, mas configura também nós mesmos. Mundo virtual, informática, engenharia genética, deterioração do meio ambiente. A ascensão do paradigma técnico-científico originou novas disciplinas éticas, como a bioética, a ética ecológica, a ética da informação, etc. A ética do respeito é uma ética que precede todas elas, pois é uma relação de respeito com o Outro tomado em sua generalidade. A ética ecológica, defendida pela ministra Marina Silva, que nos chama a respeitar a natureza para produzir bem-estar do homem, é secundária porque este ainda está num cálculo de custos e benefícios; o campo dos direitos humanos é um campo de exposição do respeito, a principal finalidade da declaração é desenvolver o respeito a todas as liberdades. A ética do respeito é o primeiro campo do conhecimento que a toma por centro, o toma como objetivo específico, preocupado com sua essência. “O que nos salva é olhar”, diz a cientista social Simone Weil.
O movimento do respeito
Josep E. Esquirol é professor de filosofia da Universidade de Barcelona e integra o grupo de investigação Ética da Ciência e da Tecnologia. Autor de inúmeros estudos sobre temas contemporâneos, seu atual interesse é enraizar a reflexão filosófica nas atitudes mais fundamentais do ser humano. Não é a única obra disponível sobre o tema. Richard Sennett, nascido em Chicago em 1934, professor da London School of Economics e da Universidade de Nova York, é autor de Respeito, a formação do caráter em um mundo desigual (Record, 2004).
A abordagem de Sennet é complementar à abordagem de Esquirol, mas consideramos a primeira uma abordagem filosófica e a segunda, uma abordagem sociológica. Como abordagem sociológica, o pensamento de Sennet sobre respeito privilegia a responsabilidade social frente às desigualdades de gênero. O autor analisa concretamente serviços de saúde, educação e segurança para concluir a emergência de um mundo de “relações flexíveis” onde questões de respeito são recolocadas a todo instante: trabalhadores são acuados por gerentes insensíveis que nos desrespeitam a partir de exemplos tirados da própria experiência do autor. O objetivo é mostrar os fatores que tornam o respeito mútuo algo difícil de alcançar. No mundo do trabalho em que estamos inseridos, o indivíduo vive a luta para conquistar sua autoestima e o respeito de seus pares, ao mesmo tempo em que enfrenta formas degradantes de compaixão, seja pela burocracia impessoal dos serviços sociais, como do voluntariado obrigatório. Para Sennet, somente o respeito mútuo pode minar o território das desigualdades.
Para Esquirol, o respeito é movimento, como definia Aristóteles, dynamis, faz parte do movimento da vida como Eros, no que se refere a uma dimensão espiritual. “O movimento do respeito é um aproximar-se que guarda distância, uma aproximação que se mantém à distância”, afirma. Para o autor, é só com aproximação que percebemos a singularidade das coisas, seu valor, é o respeito pelo concreto, me aproximo de uma pessoa, única. O respeito no campo educativo é, por essa razão, uma pedagogia, aprendemos a respeitar, aprendemos a necessidade de manter uma distância e aproximação constantes do Outro, uma aproximação que não pode ser utilitarista, não pode pensar em benefícios. “Kant também ressaltou isso citando Savaray, general de Napoleão que, ao recordar suas andanças na expedição ao Egito, comentava: ‘Não é preciso nem se aproximar muito, nem se afastar demais das pirâmides para experimentar toda a emoção de sua grandeza: só guardando distância adequada é possível notar e respeitar o que deve ser respeitado’.” O aspecto de aprendizagem do respeito é este: o respeito é uma aprendizagem de como manter a distância devida.
A supressão da distância, e, portanto, do respeito, ocorre em inúmeras situações e mundos: da união amorosa à violência, o que está em jogo é a capacidade de manter distância. A violência é antípoda do respeito, é a supressão de toda a distância porque é a violação do outro, da pessoa do outro, em todas as suas dimensões, pois se trata de anular o outro. A palavra também tem esse poder e, por isso, quando insultada, a ministra Marina Silva quis imediatamente sair da reunião. Quando nos aproximamos do outro, somos afetados pelo outro: é o que afirma a psicanalista Suely Rolnik, em sua obra Cartografia Sentimental: transformações contemporâneas do desejo (Sulina, 2011), quando descreve o funcionamento do desejo humano exatamente desta forma. Apoiada nas ideias do filósofo Espinosa, Rolnik descreve os movimentos do desejo em sua capacidade de afetar. Para Esquirol, trata-se do mesmo processo entendido por outro conceito, o de respeito, porque somos afetados pelos outros, o que significa que temos nossa sensibilidade afetada. “A aproximação traz consigo o aumento da vulnerabilidade e real afetação. Aproximar-se é achar-se comprometido. Então, a aproximação do respeito nunca se pode resumir a uma função utilitária” (p. 50).
Na aproximação do respeito, perde-se segurança, enraizamento, nos tornamos vulneráveis. Ao contrário, no amor quase não há distância, mas amar também exige o respeito, a distância, e por essa razão o perigo do amor é o afã de apropriação e de domínio, novamente a supressão de toda a distância. A chave do respeito para Esquirol é: a distância justa. Não há medidas perfeitas, métodos de cálculo, cada um achará conforme sua capacidade de perceber, o ponto. No passado, a aproximação e respeito pelo sagrado impunham uma distância exata, e ultrapassamento era considerado sacrilégio. “Acontece com o sagrado absoluto o mesmo que com o fogo: queima-se se nos aproximamos excessivamente dele, não tem efeito se permanecemos muito longe. Entre esses dois extremos está o fogo, que aquece e ilumina” (p. 52).
Voltando às origens
O respeito é a consciência de nossa finitude, exige aproximar-se sem tocar, sem manipular, oposto da indiferença, que exige reflexão. Por isso, encerramos com a etimologia da palavra: a palavra respectus deriva do verbo respicere, que significa “olhar atrás”, “olhar atentamente”, “tornar a olhar”. Respicere tem a mesma raiz que spectare, ver, olhar, contemplar. Spectalum é o que se olha, respicio, é o olho atentamente, e respectus, o resultado do olhar atento. Assim, o respeito é tanto o olhar como o resultado desse olhar, olhar que olha duas vezes ou mais, com especial atenção. Esse esforço, afirma Esquirol, vale a pena porque, se olharmos bem, descobriremos o que vale ser objeto de consideração.
Por essa razão, na visão do filósofo coreano Byung Chul-Han, em sua obra No enxame (Relógio d’Água, 2016), é preciso se preocupar com a ascensão das mídias sociais. São elas que substituem o pathos da distância pelo olhar sem distância, olhar típico do espetáculo. É a distância, concordam Han e Esquirol, que distingue respectare do spectare: “uma sociedade sem respeito, sem o pathos da distância, desemboca numa sociedade do escândalo” (Han, p. 13). Uma sociedade sem respeito político desemboca numa sociedade do escândalo político.
Han vai além. Para ele, o respeito é uma condição fundamental da esfera pública: “onde o respeito desaparece, o que é público decai”. Vivemos a decadência da esfera pública porque vivemos numa crescente falta de respeito, simultaneamente uma é a causa da outra. “A dimensão pública pressupõe, entre outras coisas, que, movido pelo respeito, o olhar se afasta da esfera privada”. O respeito é elemento essencial do espaço público, mas a ausência de distância e a exibição do privado fazem com que o privado se torne público, fim do decoro.
A acusação de Han dirige-se às mídias em geral: “a mediatização digital lesa o respeito”, afirma Han. Essa mistura do público e do privado, lembra o filósofo, estava presente no espaço completamente fechado ao exterior do templo grego, o adyton, técnica do isolamento e da separação, que gera veneração e admiração. Os políticos que acuaram a ministra Marina Silva são atores perversos desse universo mediatizado, colaboram para a corrosão do espaço público.
As mídias sociais
Vivemos uma era de exposição pornográfica da intimidade e da esfera privada. As redes sociais expõem encontros de famílias, momentos que deveriam ser íntimos, porque fazem a privatização dos meios de comunicação, transferem para o espaço privado recursos de comunicação. Han cita o semiólogo Roland Barthes, para quem a vida privada é uma “zona de espaço, de tempo, em que não sou uma imagem, um objeto”: hoje, para Han, não se tem vida privada porque não há esfera onde não sejamos imagem, não sejamos objeto. A invenção do Google Glass é justamente transformar o olho humano numa câmara, afirma o autor.
O último elemento que faz com que as mídias digitais impulsionem o movimento em direção ao fim do respeito é que elas eliminam o nome. “O respeito está ligado ao nome. O anonimato e o respeito excluem-se mutuamente. A comunicação anônima que a digitalização promove opera uma destruição maciça do respeito” (Han, p. 14). Há, na internet, a proliferação de shitstorms (tempestades de merda), representadas pelas ondas de indignação e injúrias que ocorrem nos meios de comunicação, e é seu anonimato que as torna tão violentas. “O nome e o respeito estão ligados. O nome é a base do reconhecimento, que se produz sempre em termos nominais. As práticas como a responsabilidade, a confiança ou a promessa são também de natureza nominal. A confiança pode ser definida como fé no nome”, afirma Han (p. 15). Que faz o digital: cinde mensagem e mensageiro, informação e emissor, isto é, destrói o nome. Esse era o objetivo do senador Plínio Valério: o fato de que a sociedade agora pede seu cargo é sintoma de que ele fracassou em seu objetivo. O nome da ministra Marina Silva não pode ser destruído.
A conclusão é que a comunicação digital torna possível a falta de respeito e discrição, e por isso, emergem a injúria e a indignação, como vimos com a ministra. As redes possibilitam que o afeto seja objeto de transmissão imediata, transformam o meio digital em meio afetivo, os participantes da comunicação não consomem informações de forma passiva, ao contrário, geram-nas de forma ativa, sem hierarquia, sem separação do emissor do receptor, ocorrendo num sentido, de cima para baixo e com isto, destruindo a ordem do poder.
Reconstruir a ordem do poder torna-se, então, um objetivo ético. O respeito forma-se através da atribuição de valores pessoais e morais, afirma Han. É o declínio dos valores que mina a cultura do respeito. Uma shitstorm, afirma o filósofo, é a prova de que vivemos numa sociedade sem respeito recíproco. E, com a direita que está aí, as “tempestades de merda” são diárias.
Todos os textos de Jorge Barcellos estão AQUI.
Foto da Capa: Geraldo Magela / Agência Senado