À Sociedade do Cansaço – com uma longa história alimentada pela Sociedade do Desempenho e da Positividade, que gera “excesso de trabalho ou autoexploração*” – soma-se agora a Sociedade do Excesso. O fazer a qualquer custo. O dizer, o recomendar e o criticar sem limites e sem barreiras. O estímulo à superação como um prêmio. Esqueça quem tu és, teu jeito de ser, a diferença que te caracteriza, a tua personalidade, as tuas condições físicas e emocionais, a tua singularidade. Seja positivo porque o mantra é superar. E mais uma vez me deparo com a famigerada superação, palavra que, repito, não cabe no meu dicionário, muito menos no meu cotidiano.
O excesso está dado. É preciso fazer sempre mais. Comprar sempre mais. Dizer sempre mais. Analisar, apoiar ou criticar mais e mais e mais.
É imperativo consumir para além do necessário porque as ofertas gritam em todos os espaços. Nos supermercados o compre dois/leve três é regra. Até aí tudo bem porque estamos no templo do consumo fácil. Está tudo nas prateleiras, graças ao trabalho incessante dos supridores**! Basta colocar no carrinho e pagar. Extrapolou? Relaxa! É só um pacote a mais de arroz. Ou mais um chocolate, uma latinha de cerveja, mais um refrigerante, um suco, mais uma garrafa de vinho, enfim! E tem o cartão de crédito!
“É somente requentar / E usar / É somente requentar / E usar / Porque é made, made, made / Made, made in Brazil”, diz a canção “Parque Industrial”, do compositor e cantor Tom Zé, ativo participante do Movimento Tropicalista dos anos 1960 no Brasil. Música que trazia para a discussão a sociedade de consumo da época, a industrialização, a invasão cultural e seus efeitos.
Mas o excesso de ofertas e vantagens em farmácias me inquieta muito. É a prova de uma sociedade que nos quer doentes e, claro, consumidores de remédios para o corpo, para a alma e o espírito. E a inquietação aumenta quando chego ao caixa para pagar um sabonete e quem atende pergunta se quero levar também um paracetamol, ou qualquer outro medicamento, porque naquele dia está pela metade do preço. Só para dar um exemplo banal do que acontece quase sempre. A minha resposta é simples: “Não estou precisando”. Mas vejo muita gente aderindo à sugestão.
E o movimento da Sociedade do Excesso não para por aí. Tomou conta da mídia, especialmente dos noticiários de rádio e televisão. Os fatos são trazidos por reportagens bem-feitas, colocadas na mesa e analisadas por vários jornalistas, comentaristas e entrevistados. Mas depois são requentados e requentados e requentados a exaustão. Entendo que é necessário enfatizar determinado acontecimento por sua relevância, gravidade, urgência e para manter a atenção do ouvinte e do telespectador, mas muitas vezes sobra especulação por todos os lados. E aí vejo a necessidade de uma pausa para pensar. Gastar o tempo com banalidades só para ter razão vale a pena?
Quem lê, ouve ou olha tanta notícia impunemente? Eu já não consigo!
“O sol nas bancas de revista / Me enche de alegria e preguiça / Quem lê tanta notícia? Eu vou” – canção “Alegria, Alegria” que Caetano Veloso lançou em novembro de 1967, no auge do Tropicalismo e em plena ditadura militar. A letra fala de liberdade em um momento político difícil, quando boa parte da classe artística brasileira se sentia e era aprisionada pela ditadura militar.
Para aliviar o cansaço, vamos comemorar a arte que hoje corre solta, livre, criativa e diversa Brasil afora.
*
“Excesso de trabalho ou autoexploração* – Inspiração que veio de um livro pequeno chamado “Sociedade do Cansaço”, de Byung-Chul Han (Editora Vozes, 2017).
Supridores** – Recomendo a leitura de “Os Supridores”, de José Falero (Todavia, 2020), um livro que mostra uma realidade que eu desconhecia e mudou o meu olhar.
Foto da Capa: Charles Chaplin no filme Os Tempos Modernos – Reprodução