Em momentos como o que está atravessando o Rio Grande do Sul é que nos damos conta de que solidariedade é uma das mais nobres expressões da condição humana. Pessoas que se mobilizam individualmente ou por meio de organizações para prestar auxílio aos afetados demonstram a grande capacidade do ser humano de agir em prol do próximo. No entanto, há questionamentos que deveríamos fazer a nós próprios todos os dias. Uma delas é a razão pela qual esta solidariedade muitas vezes emerge apenas em resposta a momentos de crise. Qual é o conceito de solidariedade na sociologia e na filosofia e que abismos nós mesmos construímos para que a prática da solidariedade seja tão menosprezada no dia a dia?
Talvez não seja o momento mais adequado, mas é fundamental que cada um de nós possa refletir não somente sobre as estruturas sociais e políticas que contribuem para a negligência em relação a questões ambientais, mas também sobre nossa própria escassez de solidariedade e descaso que contribuem para que situações assim aconteçam e se perpetuem.
É fato que o que ocorre neste momento no estado é o resultado de uma conjuntura climática extrema e que provavelmente nenhuma outra localidade no mundo sairia ilesa. Porém, precisamos olhar também pra dentro, para pequenas ações e não somente para o que tange falhas políticas e sociais. Precisamos olhar para nossas próprias falhas. E temos falhado muito.
Você já parou para recolher uma garrafa de plástico jogada no meio da rua ou simplesmente praguejou sobre o indivíduo que deixou ela ali e culpou o poder público por não fazer bom uso dos nossos impostos?
Seriamos solidários ao parar e recolher a garrafa. Somos solidários quando separamos o lixo, somos solidários quando utilizamos água de forma consciente, quando entendemos a apoiamos práticas sustentáveis. Somos solidários quando abrimos mão do conforto do carro próprio e decidimos pelo transporte público. Quando estendemos o olhar para comunidades em situação de risco e nos envolvemos em ações reparadoras. São tantas as formas de solidariedade que podemos incorporar e tão poucas as que efetivamente mantemos como prática nas nossas vidas.
A solidariedade deve transcender a caridade e a filantropia. Quando questionamos e cobramos também estamos sendo solidários.
Dez milhões de dólares ajudam? Sim. Entretanto, estes dez milhões supostamente doados pela Madonna, mas não confirmados oficialmente até o momento , vêm de uma indústria que contribuí muito para a degradação ambiental. Entre produção, distribuição, merchandising, tours e festivais, a indústria da música é um dos grandes poluentes mundiais.
Um milhão e meio de pessoas entraram em uma bolha, enquanto milhares estavam sofrendo ao lado. Dez milhões no dia seguinte e estamos quites. Se é que esta informação é verdadeira, que nome você daria a isto? Solidariedade? Não creio. Então, solidariedade também é criticar, fazer uso do poder de responsabilizar, de exigir mudanças, de cobrar posturas, de questionar.
Enquanto nós como cidadãos não nos sentirmos implicados ou responsáveis pelos sistemas que produzem desinformação, descaso, pobreza, exclusão, opressão, disputas e crises ambientais, não podemos nos julgar solidários por completo.
O horizonte para o qual a solidariedade deve ir agora, por necessidade, exige que não apenas simpatizemos com a situação dos outros, mas que também nos juntemos a eles como iguais. A solidariedade não é um sentimento ou afeto.
A solidariedade é a base dos valores humanos.
Foto da Capa: Freepik AI Generated
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