Semana passada falei sobre a falência da ONU e dos atuais líderes políticos que atuam na arena global (aqui). Se a única instituição global não tem mais capacidade de agir, então quais são as novas formas sociais e políticas possíveis? Diante do apocalipse climático e seus efeitos sociais, novas utopias são urgentes.
A ideologia da guerra e do crescimento econômico ilimitado só produziu fome, migrações em massa, ódio entre os diferentes, mortes e… lucro, muito lucro para poucos. A lógica atual não dá mais conta de reduzir as desigualdades sociais nem ecológicas. As pseudopolarizações políticas (bem/mal, Ocidente/Oriente, Norte Global/Sul Global, direita/esquerda, e por aí vai) são engodos que funcionam, infelizmente. Superar esse dicotomismo é crucial para que as desigualdades sociais e climáticas não piorem mais. O estrago já está feito. Catástrofes humanitárias e climáticas já são vistas online e ao vivo pelas mídias. Estamos normalizando a barbárie.
Como diz o antigo filósofo “o velho já morreu e o novo ainda não pode nascer”. As práticas do neoliberalismo (a fusão entre Estado e Mercado) nunca estiveram tão vivas e eficazes. Sim, estamos indo ao abismo social e climática em foguetes da SpaceX e em armamento militar dos Estados Unidos, Rússia, França, China e Alemanha. Não há controvérsia quando o assunto é business as usual. Os dados do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI em inglês) revelam o mundo como ele é, ou seja, um mundo em guerra é lucrativo. E diante dos quatro cavaleiros do Apocalipse, a guerra faz parte desse cardápio mortal. No Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC em inglês) as menções às emissões de GEE (gases de efeito estufa) da indústria militar no âmbito global são desconhecidas.
Parece até teoria da conspiração, mas não é. Dados e informações sobre os efeitos da mudança climática contemporânea já são consenso no mundo científico, menos para os líderes políticos. Parece uma classe social falida, mas não é. O populismo (seja ele se direita ou de esquerda) impera e conduz as massas ao precipício climático. A “sociedade da tela” não vê o que acontece, ao estarem vidrados em seus micromundos das redes digitais. Os poucos que levantam os olhos da tela, sentem-se impotentes. Parafraseando o mito bíblico: “Como enfrentar Golias?”. Golias é a barbárie neoliberal em seu estado bruto. É o Leviatã que se vê ao vivo nas televisões diariamente. Essa normalização da carnificina levará a humanidade ao colapso social. A pergunta vem a galope: “Somos dignos de habitar o planeta?”.
Há esperança, mas o tempo está contra a maioria das espécies. Time is money. De um lado, já é sabido que explorar combustíveis fósseis e mobilizar a máquina de guerra não fazem bem para a saúde humana, sem mencionar a extinção de várias espécies nesse processo. Quanto ao planeta, esse sobreviverá com ou sem a atual praga planetária: a sede ilimitada pela manutenção de privilégios para poucos. Os gregos tinham um termo para isso: hubris. Talvez tenhamos tempo de parar essa máquina de explodir e explorar corpos e territórios inconsequentemente. Talvez não. Mas sou um otimista-raiz. Entrar em boas disputas éticas, morais e políticas se faz mais do que necessário. É crucial. Momento de abraços projetos que exigem mais de nós, existencial e espiritualmente.
Podemos nos reordenar, ser mais gentis, solidários e compartilhar mais as riquezas acumuladas após 200 anos de “desenvolvimento sustentável”. Difícil sustentar o mito do progresso. Progresso para quem e onde? Talvez a grande utopia de uma humanidade que viva em harmonia com o outro, inclusive outras espécies e o planeta ainda vá emergir. Estamos vivendo sobre ruínas utópicas, mas a coragem para deslocar essas ideologias e seus líderes pode ser estimulada. Sem coragem não há como vencer a passividade e o medo que buscam instalar em nossos corações. É preciso assumir os espaços de decisão em todos os níveis. Não é fácil, mas é possível. É preciso sair das infobolhas autistas. Não é simples, mas é factível. É preciso produzir novas práticas sociais no nosso cotidiano. É preciso falar de política e nossas práticas diárias do alvorecer até o anoitecer. Vamos falar de arte e esporte também, mas sem perder a política de vista. Ao final do dia é preciso se perguntar: “Minhas falas e ações ao longo dia contribuíram para produzirmos um novo mundo, uma Nova Atlântida?”
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Leituras indicadas para esta semana:
- Rutger Bregman. Utopia para realistas. Editora Sextante, 2021.
- Antonio Gramsci. Cadernos do Cárcere. 1926 e 1937.
Foto da Capa: Divulgação