O artigo do amigo querido Marcos Weiss Bliacheris “Capacitismo, invisibilidade e infantilização”, publicado aqui na Sler no dia 14 de novembro, me fez viajar por muitos momentos relacionados a atitudes capacitistas que vivi e ainda vivo. Alguns momentos tristes, constrangedores, outros até engraçados ou tragicômicos, mas todos lamentáveis porque apontam para o preconceito e um desconhecimento absurdo sobre a deficiência. São situações comuns que infantilizam as pessoas, jogam na invisibilidade ou fazem piadas sem o mínimo respeito. A falta de um olhar que acolha a diferença, seja ela qual for, pode desestabilizar e machucar muito.
“Não me olhe como se a polícia andasse atrás de mim, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”, diz a canção “Dom de Iludir” de Caetano Veloso, que me inspira desde que ouvi pela primeira vez.
Em 27 de setembro de 2022, publiquei um texto aqui na Sler que falava sobre algumas manifestações capacitistas, que estão irremediavelmente no meu cotidiano por conta do nanismo e no cotidiano de quem tem outro tipo de deficiência ou um comportamento diferente do normalizado. Mas nem sempre as pessoas se dão conta do que estão fazendo.
Vou relembrar algumas expressões, minadas pelo tal capacitismo, que já ouvi muito e ainda ouço.
– Quando perguntam para uma pessoa com deficiência: “Mas você trabalha?”.
– Quando pensam e verbalizam: “Coitadinha, no lugar dela eu não sei se dava conta”.
– Quando, em uma festa, alguém se dirige a uma pessoa com deficiência e diz, na linha estímulo, “parabéns por você estar aqui”.
– Quando, também em uma festa, alguém comenta ao ver uma pessoa com deficiência dançando ou cantando, “Olha só, ela dança! Não sabia que ela gostava de se divertir”.
– Quando, em uma loja ou restaurante, fazem perguntas para alguém que acompanha uma pessoa com deficiência, mas não se dirigem a ela. Que tipo de roupa ela veste? O que ela quer beber?
– Quando, por exemplo, me chamam de anã e fazem uma piada.
– Quando em um evento alguém me pega no colo como se eu fosse uma criança.
– Quando dizem que a pessoa com deficiência é especial ou modelo de superação.
– Quando querem reforçar a autoestima de alguém e falam “você está reclamando da vida, imagine se você fosse aquela pessoa” e apontam para alguém com deficiência.
– Quando excluem a pessoa com deficiência em razão da sua condição.
– Quando só vemos um diagnóstico e não consideramos que aquela condição demanda enfrentamentos diversos, mas não impede que a vida seja plena.
As pessoas com deficiência têm um jeito de viver que muitas vezes foge do padrão que a sociedade está acostumada, mas não são coitadas, nem heroínas. E já escrevi muito sobre isso. Os enfrentamentos e as demandas tornam-se mais difíceis por conta dos rótulos e dos olhares curiosos que não conseguem entender e acolher um corpo ou um modo de estar no mundo que extrapola todas as normas. Se você que está lendo este texto agora já agiu assim, segue uma dica: veja somente a pessoa e converse com ela. Se a curiosidade é grande, fale, pergunte com naturalidade. Uma boa conversa é sempre estimulante. Até porque nós, humanos, somos seres em falta. Se todos entendessem que a falta nos constitui, a vida seria bem mais fácil!
E voltando a Caetano Veloso, a canção “Vaca Profana”, que Gal Costa canta lindamente, diz: “De perto ninguém é normal”.