As bandeiras brasileiras apareceram em grande número nas nossas ruas desde o último 7 de setembro. Se antes elas eram lembradas somente de 4 em 4 anos, em tempos de Copa do Mundo, agora elas repousam em sacadas de prédios e são vistas tremulando nas janelas de carros pelas ruas da cidade.
Seguiram a um pedido de nosso presidente, obedecido de pronto por seus eleitores fiéis e, também, surgem nas figurinhas de bom dia, boa tarde e boa noite e outras nos famigerados grupos de whats app de pais de escolas, família, condomínio e todo e qualquer tipo de grupo humano nos dias atuais. Essas mensagens se disseminam mais rápido que a covid ou as fake news e, geralmente, são enviadas pelos autodenominados patriotas, que também é a forma como se chamam um ao outro os simpatizantes do atual presidente.
O “lindo pendão da esperança” também vem sendo utilizado como verdadeira logomarca do atual governo. A lei eleitoral proíbe a utilização da logomarca do governo nos meses anteriores ao pleito presidencial, o que fazia com que os governos utilizassem o mais impessoal brasão nacional. Já o atual mandatário colocou a bandeira como símbolo de sua administração e de sua campanha política. O último passo dado foi pendurar uma bandeira gigante na fachada do Palácio do Planalto.
O uso da bandeira segue a lógica troll, tão utilizada pela extrema-direita, que adotou com inegável sucesso essa forma de comunicação que vem do mundo digital. A expressão troll é bastante usada na Internet e vem do folclore nórdico, onde designava monstros mitológicos. O troll é uma espécie de trote e está associado a um tipo de humor provocativo pensado para desestabilizar grupos e discussões.
Como explica Rodrigo Nunes, em seu livro “Do Transe à Vertigem”, o troll é tão ubíquo e de fácil reconhecimento que migrou para a vida offline. O troll busca provocar os demais e instigar reações fortes e se alimenta da capacidade de causar confrontos e de expor os outros ao ridículo. O troll pode abdicar do humor mas não da possibilidade de alegar inocência e dizer que não queria fazer polêmica ou mal a ninguém ao ser denunciado. Essa ambiguidade é tão importante quanto o próprio conteúdo do que diz.
Assim, quando faz uma brincadeira, sempre exigirá que sua fala seja interpretada de forma lúdica e não literal. Ele sabe que está brincando, mas seu sucesso depende que o outro leve a sério. Sua brincadeira nunca é com o outro, mas às custas dele. Neste sentido, a comunicação utiliza o que pesquisadores chamam de “pseudoingenuidade”.
Sua comunicação é sempre dupla. Assim, ele fala uma coisa para seu grupo e outra para os demais. O “bom dia” verde amarelo marca e compartilha a sua posição política. Porém, se alguém apontar isso, surge o discurso duplo que tentará determinar que aquilo é apenas uma bandeira e que se quer o bem do Brasil. Nessa hora, o discurso troll se consuma – e eu posso até imaginar o sorriso de satisfação que o autor ou autora da mensagem dão ao atingir essa pequena vitória.
Normalmente, esse é o momento da segunda parte da trollagem, em que a matilha sai para o ataque. É a contestação ao desafiante que ousou gritar que o rei está nu. É nessa hora que os tios que temem o banheiro unissex obrigatório nos shoppings e as tias que se impressionaram com as mamadeiras de piroca vão à desforra.
Esse é o momento de união do bando para defender que a mensagem do troll era inocente e que o seu contestador é que está trazendo a discórdia ao grupo. É a mesma operação feita com quem ousa denunciar o racismo: é a vítima, e não o racista, está criando a discórdia. É como se calam mulheres vítimas de assédio sexual: a maldade está em quem vê e não em quem fala.
Até porque quem fala tem um discurso ambíguo sustentado pela duplicidade dos símbolos: a bandeira nacional encaminhada por um patriota pode ser, de acordo com a conveniência do troll, a bandeira do Brasil ou da campanha de Bolsonaro à Presidência e “patriota” pode ser um bolsonarista ou apenas alguém que ama o Brasil.
O discurso age em duas camadas. No primeiro, superficial, há uma mensagem inocente de patriotismo que encobre a violência latente da mensagem. Afinal, se a mensagem é a própria bandeira e quem a utiliza é um patriota, quem não se junta a ela, está sendo excluído da comunidade nacional e patriótica.
O recado duro é que a bandeira tem dono e, se não gostou da mensagem, é porque se opõe ao Brasil. Aqueles que falam em nome de um partido e não do Brasil deixam de ser adversários políticos e passam a ser inimigos da Nação. Os próprios partidos políticos passam a ser inimigos, afinal, dizem eles: “Meu partido é o Brasil”.
Assim, quem não é do meu partido é inimigo do país. Violência simbólica pura, sequestrando os símbolos nacionais, excluindo quem não é amigo da comunidade nacional e rumando para a legitimação da violência física (afinal, patriotas combatem os inimigos do País, ou não?).
Então, quando você receber uma bom dia verde-amarelo em um grupo de whats app, saiba que aquilo é feito para mostrar que também da turma do antigo 17 ou para te incomodar, mesmo que o autor da mensagem jure de pés juntos e com fingida sinceridade que não é.
E, independente se você for calar ou responder, sorria. Você está sendo trollado.