O que você vai ler a seguir não é uma análise ponderada de um evento. Trata-se de um relato pessoal, bastante particular – e um tanto ranzinza. Passada uma semana da minha experiência no badalado South Summit realizado em Porto Alegre, escrevo a partir de um ponto de vista específico: o de alguém que não conseguiu ficar mais do que duas horas no local, vendo a empolgação se esvair em meio à sensação térmica de 36° C, sob um sol inclemente de início de tarde, em um ambiente que não favorecia a circulação de pessoas e filas imensas de participantes.
Por favor, entenda, na linha do que escreveu minha colega de Sler Marlise Brenol, eu não tenho mais medo de perder algo que esteja acontecendo. Depois de dias estudando a programação, decidi focar em um painel, que começaria às 15h, e me preparei para vê-lo, entrevistar os envolvidos e fazer um texto a respeito. Também tinha a ideia de fazer networking, já que minha especialidade é tão necessária para o ecossistema em questão – se eu fosse maldosa, diria que faltou tradutor para os nomes das atividades e a sinalização, toda em inglês, para um público majoritariamente brasileiro.
Não deu. Desde a ida, as coisas foram mais complicadas do que seria de imaginar. Infelizmente, Porto Alegre não estava preparada para tanta disrupção. Depois de passar meia hora tentando chamar um Uber, táxi ou assemelhado, peguei o carro e fui mesmo sabendo que era provavelmente a pior alternativa. Consegui estacionar a 1,5 quilômetro da entrada do local. Tudo bem. Quem não gosta de fazer uma caminhada no calorão usando sapatilhas?
Chegando no coração dos acontecimentos, percebi que tinha sido um erro não levar protetor solar. Nada me preparou para algo tão disruptivo que, no meio da cidade, eu teria de repô-lo, como na beira da praia. Caminha, caminha, caminha, encontra conhecidos, reclama do calor, ouve reclamações do calor, tenta beber água distribuída de graça, está morna, tenta comprar água gelada no café, o sistema está fora do ar, entra nos pavilhões porque deve estar mais fresco. Não está.
Com ingressos na casa das centenas (quando não dos milhares) de reais, seria de esperar que houvesse uma estrutura mais adequada para receber os mais de 22 mil participantes que passaram pelo cais Embarcadero. Local badalado da cidade, que finalmente aproxima o rio Guaíba da capital gaúcha, o cais pode ser ótimo para passeios de fim de semana com família e amigos, ou abrigar a Feira do Livro, raves e outros acontecimentos em que o conforto seja mais prescindível e não se espere que as pessoas passem um dia inteiro zanzando por lá. Sem falar das longas filas formadas ao ar livre, numa cidade que, no outono, nos presenteia com as quatro estações num mesmo dia.
Ficamos sabendo pela imprensa que muitos debates importantes (ou qualquer que seja o nome em inglês que foi usado para se referir a eles, já que as palestras viraram keynotes e os palestrantes, speakers) foram realizados nos palcos dos pavilhões do cais. Para quem esteve lá, a acústica “disruptiva” dos ambientes impedia a compreensão do que se estava falando. A solução “inovadora”, pelo que me disseram, seria ouvir as palestras e os debates usando o aplicativo, na transmissão por streaming. Ora, se fosse para fazer isso, convenhamos, seria mais saudável ficar na sala de casa, com ar-condicionado, lugar para sentar e água gelada.
Se o objetivo é debater ideias inovadoras e “disruptivas” (palavrinha infeliz que substitui mal as tão mais eloquentes “revolucionárias”, “arrojadas” e “transformadoras”), por que não o fazer em um ambiente mais acolhedor? Ou o desconforto físico faz parte do que desejamos para o futuro? Será essa a democratização que nos resta? Em vez de melhorar a vida dos desfavorecidos, pioramos a dos startupeiros? Se for isso o que chamam de “sair da zona de conforto”, agradeço, mas me deixem aqui. Ou, como diriam no South Summit Brasil: thanks, but no thanks.
Foto da Capa: Banco de Imagens Sler