Antes que a imaginação te leve pra um ditado conhecido, aviso que Sriracha é, sim, uma pimenta, mas Tom Kha é uma sopa tailandesa de frango, e não uma parte do corpo.
A língua, além dos pés, nos leva pra muitos lugares. E mal-entendidos.
Uma vez, numa feira de tecidos nos Estados Unidos, e achando que falava bem inglês, pedi 5 metros de Satanás. Ao invés de satin (cetim), saiu um satan. Isso mesmo, eu pedi 5 metros de Satanás. Ninguém entendeu, porque além de Satanás não ser vendido em metro, os americanos usam o sistema imperial e não métrico, ou seja, jardas e polegadas.
Muitos furos e anos depois, recebendo uma amiga da serra gaúcha em Florianópolis, começamos uma conversa sobre comida. As duas empolgadas e com fome.
Adoro Tom Kha, a Luane me disse. Respondi que também adorava, em especial aquele cheiro de brodo de frango com capim cidró e outras especiarias, leite de coco, gengibre e cogumelos. Luane me olhou com uma cara que achei que era de fome. Cheguei na parte de colocar folhas de manjerona roxa, Sriracha e coentro fresco na sopa antes de comer. Foi quando ela me olhou de um jeito muito estranho, devia estar morrendo de fome. Mas, como muita gente torce o nariz quando se fala de coentro, continuei minha aula de culinária.
Já sem controlar a felicidade de encontrar alguém que também ama o mesmo prato, me ofereci pra fazer um Tom Kha pra gente. Nessa hora, a conversa desandou mesmo. Descobrimos que a gringa da serra queria tchochar um pão num molho e a gringa americana queria que ela comesse uma sopa tailandesa.
Desentendidos à parte, tem coisas que se perdem na tradução até falando o mesmo idioma. Palavras da época e da moda, gírias, aportuguesamento, mix com palavras estrangeiras, tudo isso faz a gente se entender ou se perder de vez.
Minha mãe falando de uma pessoa que era um pão me fez pensar nas palavras que não se usam mais ou que mudaram de sentido.
Hoje, fazer uma entrega é terminar um trabalho, enquanto o trabalho é um job e levar um produto é delivery. Métrica, engajamento, UX e UI são difíceis de explicar pra quem nasceu antes da internet existir, assim como é difícil pra geração Alpha saber o que é ou pra que serve um disquete, um fax ou uma internet discada.
Não vejo a hora de desaparecerem o tá pago, top, topzera, pica das galáxias, cirúrgico, fazer um protocolo, lúdico, disruptivo e a conversa que começa com uma economia desnecessária de palavras. A pessoa que te manda uma mensagem com um “Tudo?” E mais nada, é uma sovina gramatical e deve ser colocada na cadeirinha do pensamento com os influencers e coaches, só pra aprender.
Vivemos um tempo em que é difícil de se entender e de ser entendido. Sobra informação e falta conteúdo e compreensão, e enquanto observamos, o ruído de comunicação se tornou um estrondo, como se uma orquestra tocasse uma música que muda ao chegar no ouvido de cada um. Nessa sopa de letrinhas, fico feliz de não ter conseguido comprar 5 metros de Satanás, mas triste de não ter tomado um Tom Kha.
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Foto da Capa: Gerada por IA.