No dia 14 deste mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou um importante julgamento a respeito da licença paternidade que pode ter um grande impacto nas relações entre pais e filhos, na forma em que os homens e mulheres dividem as obrigações familiares, e até mesmo nas relações trabalhistas e dos servidores públicos.
Desde 1988 até os dias atuais que a licença paternidade é de 5 dias consecutivos para trabalhadores com carteira de trabalho assinada e para os servidores públicos federais. Esse direito se estende também a casos de adoção.
De início este direito foi previsto na Constituição de 1988 até que uma lei sobre o assunto fosse criada. Todavia, 35 anos se passaram e não houve regulamentação do beneficio.
Em 2016 uma lei prorrogou por 15 dias, além dos 5 já estabelecidos, a duração do benefício para aqueles trabalhadores de empresas participantes do Programa Empresa Cidadã, criado pelo Governo Federal em 2008. O regime Empresa Cidadã, mantido pela Receita Federal, oferece benefícios fiscais às empresas com licença maternidade e paternidade estendida a seus funcionários. O Governo Federal custeia a prorrogação do benefício e deduz do imposto o custo do empresário na prorrogação das duas licenças, desde que as empresas sejam optantes pelo lucro real.
Nesse caso, o funcionário precisa pedir extensão da licença em até 2 dias após parto e participar de uma atividade de orientação sobre paternidade responsável.
Como o direito da licença- paternidade não foi disciplinado em lei, há uma grande discrepância com relação à licença- maternidade, que é de 120 dias, normalmente ocorrendo o afastamento da gestante entre o 28º dia antes do parto e da data do nascimento do bebê. Vale salientar que de acordo com julgamento realizado pelo STF em 2022, o marco inicial da licença-maternidade, em casos graves em que houver internações hospitalares que excedam a duas semanas, será a data da alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que tiver ocorrido por último.
A licença–paternidade é algo que varia de país para país. Por exemplo, a Suécia concede aos pais uma licença remunerada de 480 dias, a Suíça oferece duas semanas e a Inglaterra atualmente concede aos os pais o direito a tirar 13 semanas de licença “não-renumerada” durante os primeiros 5 anos de vida do filho, mas a brasileira está realmente obsoleta.
Em 35 anos, o mundo tornou-se globalizado, as mulheres passaram a ter uma participação muito maior no mercado de trabalho, as relações pessoais passaram por mudanças, surgiram novas técnicas de reprodução humana, a união entre casais do mesmo sexo como entidade familiar foi reconhecida, a adoção homoafetiva foi permitida, o numero de adoção monoparental cresceu, casos de gestação múltipla tornaram-se mais frequentes, mas o ordenamento jurídico no Brasil não evoluiu para acompanhar a realidade de forma igualitária no que diz respeito à licença–paternidade continuando bem diferente da licença-maternidade.
A desigualdade entre os direitos entre homens e mulheres, no caso da licença em razão de nascimento ou adoção de filho, passou a ser tão grande que os pais solos, precisam ajuizar ações judiciais, para poderem cuidar dos seus bebês que demandam os mesmos cuidados que os bebês que tem mães, mesmo com a concessão pelo STF, no julgamento do RE 1.384.854, em 11 de maio de 2022, de licença-paternidade a um pai solo. O mesmo problema enfrentam os pais gays, seus filhos demandam os mesmos cuidados.
Cumpre destacar recente julgamento ocorrido em Pernambuco, que concedeu a um Policial Militar gay, que obteve na Justiça o período de 6 meses de licença-paternidade, em decorrência de sua filha, por meio de fertilização in vitro com barriga solidária. Esse importante julgamento, poderá servir de baliza para muitos outros que tratarem de causas semelhantes. Espero que esse entendimento prevaleça nos tribunais brasileiros.
A licença-maternidade e a licença-paternidade são concedidas não para o deleite dos pais e das mães, mas principalmente em razão das necessidades do bebê, que precisa de cuidados permanentes para sobreviver. Nos casos de adoção, além da questão dos cuidados, esse tempo concedido aos pais é importante para que os bebês ou crianças possam se adaptar a nova situação e para o surgimento ou fortalecimento dos vínculos afetivos com os adotantes. Não conceder aos homens o direito de cuidarem de seus filhos, é sexismo hostil, de um atraso imenso, que prejudica a carreira das mulheres, a relação familiar que impacta mais a mulher, e a relação paterna, pois o pai fica impedido de realizar os cuidados que fortaleceriam muito o vínculo com os seus filhos, e inclusive de aproveitar esse momento tão especial na vida das mães e dos pais.
A decisão do STF reconheceu a omissão legislativa sobre a regulamentação do direito à licença-paternidade, que de acordo com previsto na Constituição Federal precisa ser regulamentada por lei, o que até hoje não foi feito. Desse modo, o STF fixou o prazo de 18 meses para que o Congresso Nacional edite a lei regulamentando a licença-paternidade.
Essa determinação aconteceu no âmbito do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 20, apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS).
Outrossim, de acordo com a determinação do STF, se decorrido o prazo para que Congresso elabore, edite a lei regulamentadora, a omissão persistir, caberá ao STF definir o prazo para a licença-paternidade.
Na sessão do dia 13, chegou a ser proposto pelo ministro Barroso, que se vencido o prazo de 18 meses, a omissão persistisse, deveria haver uma equiparação do direito à licença-paternidade, com a licença-maternidade, mas essa sugestão não foi acolhida.
O único voto vencido nesse julgamento foi o do ministro Marco Aurélio, que já havia votado antes de se aposentar, que entendia que não haveria lacuna legislativa, pois o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ACDT) já havia definido o prazo de 5 dias para a licença.
Para a ministra Rosa Weber, que também já havia votado no caso, antes de se aposentar, enquanto não houver a legislação regulamentando a licença-paternidade, deveria haver uma equiparação, no que couber, com a licença-maternidade. Segundo a ministra, “o modelo de licença-paternidade reduzido faz recair sobre a mulher uma carga excessiva de responsabilidade em relação aos cuidados com o recém-nascido, reforçando estereótipos de gênero incompatíveis com a igualdade de gênero entre homens e mulheres”.
Um outro ponto que vale ser frisado é que em razão das mulheres terem direito a uma licença-maternidade, muitos empregadores descartam a contratação de mulheres em idade fértil, para não terem de arcar com os custos das licença-maternidade e ficar sem a trabalhadora por cerca de 4 meses. Acabam, nessas circunstâncias preferindo a contratação de trabalhadores homens, o que acarreta uma tremenda injustiça social, uma desigualdade de oportunidades de crescimento profissional para as mulheres.
Espero que o Congresso Nacional cumpra a determinação do STF, não seja tremendamente sexista, pense na importância desse direito para os pais, para a grande parte de configurações familiares, onde o homem não é o único provedor da família, pense que isso irá melhorar o acesso a postos de trabalho para as mulheres, e não ceda a pressão dos controladores dos fatores de produção, que tão pouco valorizam o trabalho nesse país tão desigual e excludente.
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