Uma boa notícia para aqueles que recebem alimentos e pensões alimentícias, e que eram obrigados a pagar Imposto de Renda sobre tais valores. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.422 (ADI) afastou a incidência do imposto de renda sobre os valores, decorrentes do direito de família, percebidos pelos alimentados a título de alimentos ou pensões alimentícias.
Se seguida a jurisprudência reiterada do STF, teoricamente os efeitos dessa decisão já estarão ocorrendo. Entretanto, antes que o contribuinte tome alguma atitude ou decisão, é fundamental que ele tenha em mente que o STF poderá vir a fixar uma outra data a partir da qual essa decisão estará valendo, e também deliberar sobre outros pontos omissos ou contraditórios do julgamento referentes às ações judiciais em tramitação e pedidos de restituição, por exemplo. Isso porque embora a ação já tenha sido julgada, ainda não foram esgotados todos os recursos processuais. Muito importante também verificar como a Receita Federal irá reagir a esse julgamento. Somente depois disso, poderemos avaliar com segurança sobre a possibilidade de restituição, sobre como ficará a situação dos inadimplentes, das pessoas que tiverem sido autuadas, das ações judiciais e andamento, etc.
Cumpre ressaltar que o impacto social desse julgamento será imenso. Sobretudo será muito benéfico para as mulheres ou filhos que recebem alimentos ou pensões e, que na maioria dos casos, tiveram seus parcos meios de sustento minimizados pela incidência do Imposto de Renda sobre tais valores. Isso porque como os alimentos ou a pensão alimentícia eram considerados um rendimento tributável para quem os recebia, e uma despesa dedutível para quem os pagava, o ônus da tributação acabava por recair justamente sobre as pessoas mais necessitadas.
Assim, ou o alimentado pagava o Imposto de Renda incidente sobre a pensão, com prejuízo dos recursos necessários para a sua subsistência, ou quem detinha a sua guarda, geralmente uma mulher, a mãe, somava a pensão aos seus rendimentos, sujeitando-se à incidência das alíquotas mais altas da tabela progressiva do Imposto de Renda, enquanto os homens acabavam sendo beneficiados por pagar menos Imposto de Renda.
A Receita Federal pode reagir
Esse assunto ainda renderá muitas discussões jurídicas e legislativas, pois de acordo com a atual legislação para o alimentante a pensão continuará sendo uma despesa dedutível, enquanto que em razão do julgamento da ADI, para o alimentado a pensão ou os valores recebidos a título de alimentos deixarão de ser tributados. Isso, por óbvio, causará perda de arrecadação para a Receita Federal.
Levando-se em conta que o “Leão do IR” não costuma ficar muito contente quando ocorre diminuição da arrecadação, não ficarei surpreso se a Receita Federal conseguir rapidamente alterar o Regulamento do Imposto de Renda (RIR), para que esse ônus passe a ser suportado pelo alimentante, o que obviamente poderá ensejar nova ADI.
A este passo, relembro que de acordo com a jurisprudência reiterada do STF, os efeitos de uma decisão em ADI valem para todos, e geralmente iniciam com a publicação da ata da sessão de julgamento, sendo desnecessário o ajuizamento de processos judiciais para que a tributação venha a ocorrer de acordo com o decidido pelo STF, depois disso. Contudo, em que pese já tenha havido a referida publicação, como jurisprudência se muda, e ainda não houve o detalhamento dos efeitos da decisão pelo STF, entendo que ainda é cedo para saber se será possível a restituição dos pagamentos, e para se ter certeza de como o contribuinte deverá agir perante o Receita Federal.
STF ainda poderá determinar a partir de quando vigorarão os efeitos da declaração
É relevante destacar que embora a ADI já tenha sido julgada, é bem provável que haja a interposição de um recurso processual chamado “Embargos de Declaração”, para que o STF venha determinar a partir de qual data ocorrerão os efeitos dessa decisão, o que no mundo do direito é chamado de “modulação”, e quem sabe até mesmo para que o STF esclareça eventuais omissões, elimine contradições, se pronuncie sobre a situação de quem já pagou os tributos, de quem quer buscar restituição, etc.
Saliento que o STF costumava ressalvar das modulações, as ações ajuizadas antes da data do início do julgamento de mérito, mas recentemente no julgamento do RE 714.139 (Tema 745), determinou que os efeitos da decisão de reconhecimento da inconstitucionalidade da cobrança do tributo majorado (ICMS) somente passassem a vigorar a partir de janeiro de 2024. Em outras palavras, o STF modulou os efeitos da decisão para o futuro e, apesar de ter declarado a inconstitucionalidade de uma lei, determinou que ela seguirá a valer, mesmo estando eivada de inconstitucionalidade como reconhecido no julgamento. E o que é pior, que o contribuinte continuará arcando com essa majoração inconstitucional do tributo até o ano de 2024.
Para essa ADI, imagino que haja a modulação, a restrição temporal dos efeitos da decisão, mas espero que não sejam atingidas e ceifadas pela modulação as ações e mandados de segurança ajuizados ou interpostos antes da data do início do julgamento de mérito.
Faço essa suposição calcado no meu otimismo e na minha esperança de um Estado mais justo, que obedeça ao disposto na Constituição. E também na sensação de desrespeito que sentirei se os contribuintes e advogados que com coragem, perseverança, muito esforço, trabalho, e custos econômicos, lutaram e defenderam seus direitos e o disposto na Constituição Federal, antes da data do início do julgamento, quando ninguém sabia qual sentido teriam os votos dos Ministros do STF, tiverem suas ações, mandados de segurança e direitos ceifados, por uma modulação que beneficia um fisco que vinha, com fundamento em lei inconstitucional, cobrando um tributo.
Reputo pouco provável, quase impossível em razão das consequências orçamentárias para a União, que ocorra uma modulação com efeito retroativo, o que permitiria que os contribuintes buscassem a restituição do que foi recolhido indevidamente, naturalmente, observando-se a prescrição quinquenal.
Apesar da modulação havida no julgamento do Tema 745, acima mencionado, não considero provável uma modulação para o futuro, dos efeitos da decisão dessa ADI, e com a devido respeito aos ministros, não é justo que uma lei, que se sabe inconstitucional, continue a valer, especialmente quando isso acontecer em detrimento do contribuinte.
Cabe informar que o Ministro Dias Toffoli foi o relator dessa Ação Direta de Inconstitucionalidade, e fundamentalmente defendeu que:
“Alimentos ou pensão alimentícia oriunda do direito de família não são renda nem provento de qualquer natureza do credor dos alimentos, mas simplesmente montantes retirados dos rendimentos (acréscimos patrimoniais) recebidos pelo alimentante para serem dados ao alimentado. Nesse sentido, para o último, o recebimento de valores a título de alimentos ou de pensão alimentícia representa tão somente uma entrada de valores. Afora isso, é certo que a legislação impugnada provoca a ocorrência de bis in idem camuflado e sem justificação legítima, violando, assim, o texto constitucional. Isso porque o recebimento de renda ou de provento de qualquer natureza pelo alimentante, de onde ele retira a parcela a ser paga ao credor dos alimentos, já configura, por si só, fato gerador do Imposto de Renda. Desse modo, submeter os valores recebidos pelo alimentado a título de alimentos ou de pensão alimentícia ao imposto de renda representa nova incidência do mesmo tributo sobre a mesma realidade, isto é, sobre aquela parcela que integrou o recebimento de renda ou de proventos de qualquer natureza pelo alimentante. Essa situação não ocorre com outros contribuintes.”
Seu voto foi acompanhado pelos Ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Ricardo Lewandowsky, André Mendonça e Luiz Fux, vencidos parcialmente os Ministros Gilmar Mendes, Edson Fachin e Nunes Marques.