Kafka transformou seu personagem mais famoso numa barata, e independente de metáforas e significados ocultos, o bicho escolhido, só de mencionar o nome, causa reações dificilmente amistosas, sendo que a primeira imagem que me vem à mente é a de um chinelo voando e uma gosma que vou ter que limpar depois.
Venham vindo, que estou preparada pro gritedo. Eu gosto de bicho, mas dessa vez sem trocadilhos, acho que os bichos têm que ser criados soltos.
Animais domésticos, domesticados, de roupa, comemorando festa de aniversário ou virando herdeiro, naaaaaa. Já passei por isso, minha filha é cachorreira e costumava arrecadar todos os cães de rua, a ponto de uma época começarem a deixar caixas com filhotes na frente da nossa casa, pois ela quase sempre achava um lar acolhedor para os abandonados. Tive que botar um fim na bondade infantil, mas ela começou a arrecadar dinheiro para uma ONG que cuidava dos bichos, fazia castrações e projetos educativos – hashtag orgulho.
Eu entendo, animais de estimação são carinho, lindos, terapêuticos, mas requerem responsabilidade, disponibilidade e dinheiro, às vezes muito dinheiro.
Além de acabar com o ditado de vida de cachorro, que agora pode significar luxo e cuidados especiais, você já se perguntou: será que os pets queriam isso pra eles? A nossa vontade humana de comercializar e enfeitar tudo que a gente toca conforme o nosso gosto pessoal pasteurizado de massa seria aprovada pelo seu pet, se ele pudesse se manifestar, especialmente quando você o veste com uma roupa de crochê que a vovó fez, a fantasia de carnaval ou insiste nas selfies forçadas?
Dos animais mesmo, além dos vintages cães, gatos, peixes dourados e papagaios, tem os outros, os bichos da moda. Teve a moda dos porquinhos da Índia, iguanas, coelhos, lhamas e aqui em casa minha filha tentou ter um siri de estimação. Nada tão radical quanto o Tiger King, que expôs os animais selvagens em cativeiro, mas chegamos perto. Em Florianópolis, tem um Curiódromo e um antigo hábito de passear nas manhãs de sábado ensolaradas de inverno com seu curió na gaiola, como um símbolo de prestígio.
Agora, emergindo diretamente dos mangues, lagos e pântanos, as capivaras são o bicho da vez. Viraram marca, desenho, produtos e estrelas na vida real. As simpáticas capivaras também viralizaram pelos vídeos de desocupados invasores do sossego animal.
E o raio capivarizador ataca quando você menos espera. Dia desses, uma fila se formou indo para o aeroporto de Florianópolis, por causa de uma galera filmando e fotografando, claramente invadindo a privacidade de uma família de capivaras descansando no conforto da sua sala de estar enquanto olhavam o pôr do sol.
Se você gosta mesmo da natureza e suas maravilhas, faça como eu, tenha seu zoológico particular, a céu aberto e sem paredes ou grades. Tenho os lagartos que passeiam pelo deck pra se bronzear, os saguis não nativos – que aqui chegaram provavelmente por tráfico ilegal de animais silvestres e agora invadem minha cozinha mordiscando todas as frutas que encontrar na mesa, tem ainda algumas corujas buraqueiras que as construções espantaram em grande parte, as gralhas azuis, pica-paus, beija-flores, formigas, minhocas e lagartixas.
Então vamos deixar cada capivara no seu galho e banhado, e preservar os animais nos seus habitats naturais, sem esquecer que bichos selvagens não ladram, mas mordem, e muito sabiamente não querem conversa com a gente.
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Foto da Capa: Wikipedia