O que existe de mais precioso nas nossas vidas? O que as big techs mais desejam, por isso não querem a regulamentação? O que os portais, as lojas online almejam quando alguém entra numa página? O que a propaganda, as dancinhas, as caras e bocas representam no Tik Tok, Instagram? O seu, o meu, o nosso tempo, a atenção! Ora para se encantar, ora para comprar, ora para se informar, ora para desopilar.
Então pergunto, se o seu tempo está sendo disputado a unha por quem tem interesse em lucrar, em fazer esse nosso sistema se perpetuar, qual é o tempo que você destina para refletir o que é essencial para a sua qualidade de vida e dos seres que te cercam?
Você dispõe de tempo para desfrutar momentos com quem ama? Tempo para ser empregado em atividades que te tornam uma pessoa melhor? Como é algo intangível e que em grande parte das vezes não conseguimos estabelecer o controle, arrisco em questionar a você, prezado leitor, cara leitora: já parou para se perguntar o que você faz para termos uma convivência melhor em sociedade?
Se você desconfia que vou falar que precisamos cuidar do meio ambiente, estar próximo da natureza, você está, em parte, certo. Mas entendo que é preciso muito mais que isso. Para mim, hoje uma das questões mais nevrálgicas é termos consciência do quanto precisamos saber conviver em sociedade, com gente fora das nossas bolhas. Estar abertos para desaprender, reaprender, aprender a surfar as ondas desse oceano turbulento que estamos mergulhados.
A destruição dos elementos naturais em uma cidade, a falta de respeito com os outros e com os ambientes onde ainda existem fauna e flora preservados são consequências de uma visão egoísta e imediatista na qual estamos metidos.
Hoje somos cobaias da Inteligência Artificial, as telas nos dominam e os algoritmos ditam o que vamos ver de acordo com nossos interesses. Só que no meio desse bombardeio pela disputa pela atenção – ora por anúncios luminosos, propagandas antes de vídeos ou conteúdos de interesse, ora por determinar o formato do que rende engajamento – um aspecto essencial para nossa sobrevivência, pela nossa qualidade de vida, está sendo deixado de lado: a convivência em grupos.
E aí nesse contexto, escrevo com um sentimento de quem está se sentindo extremamente impactada por esse modus operandi desse estilo de vida, onde o Google é o oráculo maior. Meu lugar de fala é de alguém quem trabalha em home office desde maio de 2007, quando retornei à Porto Alegre. De quem cresceu no interior cercada por vizinhos, brincava na rua e participava de diversas tribos. Ia à casa de amigos sem ter um motivo especial ou recebia gente para sorver um mate todo santo dia. Isso era algo absolutamente comum. Não tínhamos celular, mas parece que nos comunicávamos melhor dividindo momentos ao vivo e a cores.
Será que sou só eu que sente essa falta da convivência em grupos? Assim como eu, cada vez mais as pessoas trabalham de casa e o contato com o mundo externo, como o olho no olho, é algo cada vez mais raro. Mesmo entre gente da mesma família.
Até pode ser a fase da vida das pessoas que convivo. Muitos estão envolvidos com afazeres domésticos ou de trabalho. Bate a preguiça para fazer qualquer coisa fora do script da rotina. Sei bem que entre as etapas da nossa jornada o de cuidar dos afetos, pais idosos, filhos e também da própria sobrevivência é a prioridade.
Resolvi ousar em fazer este “striptease de alma” e também engatar tantas perguntas porque desconfio que essa falta de convivência é um dos motivos que está abalando as estruturas que costuram várias faces do bem-estar coletivo. Explico minha hipótese empírica. Fruto de uma observação de quem participa de diversos grupos de WhatsApp, onde o encontro pessoal sempre é preterido devido às circunstâncias do corre-corre do dia a dia.
Para começo de conversa (pelos idos dos anos 90, a TVE teve um programa com esse nome que era muito legal), dá para perceber o quanto os mais jovens não têm paciência de esperar, de entender que a velocidade dos acontecimentos não é a mesma que o seu roteador oferece.
Os motoristas, os ciclistas, os motociclistas estão afoitos. A tolerância, a educação e o comportamento no trânsito são indicadores relevantes para constatar o quanto precisamos melhorar a nossa civilidade. Esses dias, conversando com um motorista de aplicativo, em 10 minutos, ele me contou quatro episódios de ausência total de empatia no trânsito. Ele é do Espírito Santo e já morou em outros lugares do Brasil. Avalia que, em Porto Alegre, o povo nas ruas é bem difícil de lidar. Ser xingado por motoristas de ônibus, por “bacanas” em SUVs é algo comum na sua rotina. Uma conhecida minha que andava direto de moto na capital paulista vendeu seu veículo de duas rodas por não se sentir segura nas ruas porto-alegrenses.
Mas o que tem me chamado a atenção é justamente as pessoas nem se darem conta do quanto a ausência de instantes mais tranquilos, menos superficiais faz falta para se estabelecer relações, para se observar o funcionamento das coisas e dividir a energia com outros.
O comportamento de grupos, do que emana do “campo” onde as pessoas se relacionam é algo que venho estudando e exercitando há algum tempo. O que acontece quando um grupo vive o momento presente depende muito da intensidade vivida de cada um, do quanto de atenção cada um está entregando. Acredito que a única forma de encontrarmos saída para as tantas ciladas em que somos submetidos (às vezes luto para não me sentir dependente das telas, das redes sociais) é sabermos nos distanciar do que a internet nos proporciona. Precisamos aproveitar melhor a presença uns dos outros, captar o lado bom das trocas, das experiências em grupo.
As empresas, as organizações, qualquer instituição para funcionar bem sabe que os ganhos são maiores quando seus times estão afinados no mesmo tom. Isso serve para uma família, qualquer outro grupo. Então se não exercitarmos nosso lado emocional convivendo com pessoas de matizes diferentes aos nossos, será muito mais difícil dialogar, fazer as coisas acontecerem na nossa comunidade.
Venho constatando isso participando de diversos grupos no WhatsApp e também fora das redes sociais. O primeiro passo para qualquer ação em grupo dar certo é o estabelecimento de relações de confiança. Caso contrário, não há entrega, cumplicidade.
Tudo isso me veio à tona depois de ter me dado conta que se o Google, a Meta, essas gigantes tecnológicas que sabem mais de nós do que nós mesmas, estão nos usando para ampliar seu poder e ameaçar a democracia. Promovem campanhas de desinformação em larga escala. Pretendem ficar acima do bem e do mal.
Vale conferir o texto da Giovana Girardi, na Agência Pública, sobre o quanto essas empresas, entre outras, têm apoiado o negacionismo climático. Aliás, você precisa sentir mais as estações, os ventos, o céu, a chuva, para perceber que esse assunto é muito sério. E nada melhor do que observar a natureza para sentir que vivemos a era do Antropoceno, das mudanças climáticas.
Está mais do que na hora de darmos mais tempo aos encontros, aos abraços, às viagens (mesmo dentro do município), às trilhas, banhos de floresta e por aí vai. Ver vitrines de lojas de verdade. Experimentar aromas, sabores, trocar ideias com a vizinhança, frequentar o comércio local. Consumir alimentos frescos cultivados próximo de nós. Ir às feiras. A vida é mais colorida e sustentável se fizermos acontecer em grupos com energia vital.
Prática longe das telas
Neste final de semana*, dias 6 e 7 de maio, vou abrir as portas da minha casa para receber amigos, conhecidos, amigos de amigos, para que possam adquirir peças de cerâmica e minijardins com cactos e suculentas feitos por mim. É um dos passos que estou dando para colocar em prática o que escrevi no texto acima. Se tiver interesse em conhecer ou comprar para dar de presente para alguém especial, entre em contato nos meus perfis do Instagram @silmarcuzzo ou @ceramicacomvida.
Foto da Capa: Fauxels / Pexels
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