O que vem à sua cabeça quando ouve a palavra Summit? Quem curte viagem deve lembrar de cara do observatório de vidro da cidade de Nova York, ponto turístico popular. A palavra que significa ponto mais alto ou cume, no entanto, foi ressignificada no mundo da política e da economia e passou a indicar encontros de cúpula. E apesar dos eventos chamados Summit terem se proliferado nas últimas décadas, a noção de reunião de elite do poder não é nova.
Um dos primeiros registros de evento chamado de Summit no mundo aconteceu em 1921 em Washington D.C. e reuniu o presidente norte-americano Warren Harding, o primeiro-ministro britânico David Lloyd George e o primeiro-ministro japonês Takahashi Korekiyo, para discutir um acordo naval capaz de reduzir o armamento e arrefecer as tensões pós-Primeira Guerra Mundial.
O resultado da conferência foi o Acordo Naval de Washington, a partir do qual ficaram estabelecidos limites para o número e o tamanho dos navios de guerra que cada país poderia possuir, bem como um processo de desarmamento naval gradual. O acordo também incluiu disposições para garantir a liberdade de navegação e comércio no Oceano Pacífico e para evitar futuros conflitos. O Summit de 1921 foi um marco importante na história das relações internacionais e na busca pela paz mundial.
Passados 100 anos do encontro de Washington, a palavra “summit” – do inglês cume – é usada para se referir a eventos com legitimidade e autoridade, por reunir líderes, especialistas ou representantes de organizações econômica e socialmente relevantes. Diversos tipos de eventos trocaram “encontro”, “conferência” “fórum” por Summit em reuniões empresariais, conferências, cúpulas internacionais e outros tipos.
Um setor que realiza encontros batizados de Summit é o da tecnologia e inovação. Só no Rio Grande do Sul acontecem todos os anos o Gramado Summit e o South Summit Brazil. O Web Summit de Portugal, desde 2009, é considerado a maior conferência de tecnologia da Europa. O termo comunica a reunião de líderes, especialistas ou representantes de diferentes organizações, empresas e atores do ecossistema de inovação para ampliar as relações, fazer negócios e compartilhar conhecimento. É esperado das pessoas, com voz e lugar de fala na programação, conhecimento legítimo e expertise nas áreas de atuação, para propor e discutir questões importantes e tomar decisões estratégicas para impulsionar o desenvolvimento econômico.
O termo “summit” também sugere a ideia de que o evento é um ponto de encontro para distintas origens e perspectivas, com o objetivo de construir um futuro comum. Eventos de tecnologia e inovação muitas vezes são plataformas para conectar pessoas e ideias, incentivar colaborações e criar soluções para desafios locais e globais.
Do Summit de 1921 para os summits de 2023 há um deslocamento claro: o centro deixa de ser o Estado e o governo e passa a ser as forças econômicas, disruptivas e inovadoras. Não significa que o Estado não esteja presente, pelo contrário, é na maioria das vezes o motor que faz o evento acontecer. Porém, o governo perde proeminência.
O deslocamento da cúpula política para a cúpula econômica é resultado da globalização e da diluição de fronteiras geográficas para negócios e desenvolvimento tecnológico. O Estado, cada vez mais, torna-se um mediador, regulador e fiscalizador. O governo deixa de ser o propositor e passa a ser um facilitador. Há implicações: quem mais paga, mais voz e espaço tem, independente da contribuição em inovação, sustentabilidade e social porque é assim que o evento se viabiliza.
Os summits ampliados e afastados do poder público beneficiam o evento em termos de agilidade e mobilização de atores relevantes. Porém, entre a discussão da paz mundial e as contemporâneas isenções fiscais para empresas inovadoras estão milhares de pessoas, consumidores, cidadãos, eleitores também com suas dores. Se estes eventos têm se tornado mais do que conferências de conteúdos e compartilhamento de conhecimento, há uma responsabilidade social importante envolvida. Os rumos e modelos em discussão são de políticas empresariais e públicas que afetam a vida em sociedade, o cotidiano, o meio ambiente, a saúde. Se a inovação é sobre governos e sobre empresas, ela é sobre o futuro da sociedade, na prática funciona como um fórum de deliberação. Certamente os temas reverberam em debates legislativos e proposições dos poderes Executivos. A pergunta otimista e ainda sem resposta é: como este debate privado sobre a coisa pública envolve, envolverá ou beneficiará as vozes que não estão no cume? A minha torcida é por respostas alvissareiras.