Quem primeiro alertou que minha audição não andava bem foi minha mulher. Quando a Brenda me aconselhou a fazer uma audiometria, meus filhos já faziam piadas há tempos me chamando de surdo. Parece ser uma história comum, afinal, são os outros que se sentem incomodados por não se sentirem escutados, enquanto nós demoramos a aceitar isso. Mas, de tanto ouvir (ou não ouvir) as reclamações, acrescentei a ida a um otorrinolaringologista e uma audiometria na lista de tarefas a fazer.
A consulta com o otorrino estava estacionada no fim da lista de prioridades até que a umidade de Porto Alegre fez ressurgir uma rinite alérgica que eu nem lembrava mais que existia. Feita a audiometria, a fonoaudióloga me mostra gráficos informando algo que eu já sabia: que eu já não escuto mais alguns sons, principalmente os mais agudos. Aquela pulga atrás da orelha que eu levava comigo há algum tempo iria virar um pequeno aparelho auditivo nas duas orelhas.
Sim, os aparelhos são modernos, você quase não sente eles e são extremamente discretos. Mas eles estão lá, feito duas pulgas atrás das orelhas. E é nessa hora que a gente vê que todo letramento em deficiências e diversidades pode ser abalado, nem que seja por alguns instantes.
Primeiro, há um misto de nosso próprio capacitismo com a percepção que seremos alvos do preconceito alheio. Por menor que sejam os aparelhos, mostram algo que já não podemos fazer sem eles, são o lembrete permanente de uma deficiência que surgiu. E, por mais que eu saiba que as pessoas podem e vão adquirir deficiências com a idade, é diferente quando é com a gente, mesmo com toda naturalidade que eu tenho por conviver bastante com pessoas com deficiência, viver, pesquisar e escrever sobre o tema.
Os aparelhos auditivos vêm acompanhados de uma caixinha especial, um carregador com cabo USB e etarismo. O preconceito contra as pessoas mais velhas, também chamado de idadismo, parece vir com esse equipamento. Afinal, é uma limitação trazida pelo envelhecimento. Sim, primeiro passei a usar óculos para ler e agora veio o aparelho auditivo para ouvir bem, coisas que antes faziam sem auxílio. Essas são necessidades naturais que surgem com o tempo e confrontam os limites do meu corpo.
A idade traz junto uma série de mudanças, mas poucos gestos são mais simbólicos do que colocar os óculos para ler ou desfilar por aí com o “aparelho de amplificação sonora individual”. Justo agora que já tinha me acostumado a ser chamado de “senhor”, de evitar lugares onde tenha que permanecer muito tempo em pé e me convenci que sopa é janta. Aliás, uma ótima pedida nesta fria e úmida Porto Alegre.
Ao começar a usar os aparelhinhos, muita gente me confessou que não está ouvindo bem, mas continua fugindo de uma avaliação auditiva com um profissional. Das pessoas que aderiram às tais próteses auditivas, recebi palavras de incentivo, a maioria afirmando que a vida melhora depois disso. Também me lembraram que a convivência conjugal, familiar e profissional fica mais fácil e diversos estudos mostram que pessoas com dificuldades de audição costumam diminuir ou abdicar do convívio humano, tornando-se presas fáceis para o isolamento social e a depressão.
Continuo a acreditar que cada ano vivido é um prêmio e envelhecer é um privilégio, assim como ter acesso a tecnologias que me façam ter um cotidiano melhor (aliás, outro privilégio). Entre reconhecer ou negar minhas limitações, fico com a opção que me dá mais qualidade de vida, mesmo com mais algumas obrigações para lembrar todo santo dia e alguns preconceitos e estigmas para enfrentar.
Também não posso deixar de lembrar que os aparelhinhos são verdadeiras maravilhas tecnológicas, controláveis por um aplicativo no telefone e, vejam só, o modelo que estou testando se conecta com o bluetooth do telefone celular. Desde que comecei a usar, conferi as mensagens de voz do WhatsApp e já escutei 2 podcasts inteiros, pendências constantes nas listas daquelas atividades adiadas eternamente, além de escutar música neles. E vocês, já escutaram o último disco do Milton Nascimento?
Foto da Capa: Creative Common
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