Uma Instrução Normativa da SUSEPE (Superintendência de Serviços Penitenciários) está causando indignação e protestos por parte dos presos, dos seus familiares e visitantes, os quais estão sendo submetidos a situações vexatórias que evidentemente ferem a dignidade de seus entes queridos.
Trata-se da Instrução Normativa nº 014/2023 GAB/SUP (IN), publicada no dia 10 de julho, com prazo de 30 dias para ser implementada, que institui o “Regulamento para Ingresso de Visitas e Materiais”, em estabelecimentos prisionais do Estado do Rio Grande do Sul. Em que pese a referida IN vede a revista íntima, que consiste em desnudamento total, realização de agachamentos e/ou toques no corpo, ela traz em seu bojo disposições tão vexatórias e traumáticas quanto a referida inspeção, ferindo a dignidade dos visitantes das pessoas presas, que saliente-se não cometeram nenhum ato ilícito, buscam apenas visitar seus entes queridos.
Vale realçar que a Constituição Federal, no seu artigo 1º, destaca que a República Federativa do Brasil tem como um dos seus três fundamentos a dignidade da pessoa humana.
Outrossim, é importante ter em mente que a execução penal não busca apenas o afastamento do condenado por um certo período de tempo. Como também ressalta o artigo 1º da Lei de Execução Penal, a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença criminal e proporcionar condições para a harmônica integração do condenado. Não se busca, em hipótese alguma, causar-lhe humilhação, mais angústia, sofrimento e, principalmente, não se estende aos visitantes. Um dos princípios basilares do direito penal brasileiro é o princípio da pessoalidade ou da intranscendência, que determina que uma pena não pode ultrapassar a pessoa do delinquente, ou seja, se aplicar a um pai, uma mãe, um filho, uma criança, um bebê, um amigo, por exemplo. Terceiros não devem ser penalizados. Como é cediço, a CF dentre os direitos fundamentais, enumera o princípio da inocência. Isso significa que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Fiz essas breves explicações para facilitar o entendimento dos motivos pelos quais considero que alguns dispositivos dessa IN devem ter a sua constitucionalidade questionada e deixar de ser aplicados no Estado do Rio Grande do Sul, sob pena de causar aos condenados e seus familiares um tremendo dano moral, a ser até mesmo indenizado pelo Estado.
O primeiro deles, extremamente vergonhoso, e que implicitamente pressupõe que a visitante seria também uma criminosa, é o que determina que se ela estiver no ciclo menstrual deve substituir o absorvente na frente da servidora que a estiver revistando. Isso é algo absolutamente constrangedor, humilhante, que obviamente fará com que muitas mulheres e até mesmo filhas deixem de visitar seus familiares em razão do trauma que será causado. Isso somente dificultará a reintegração social do/a condenado/a, e causará maior distanciamento e dor aos familiares.
Considero, pior ainda, um servidor acompanhar a troca de fraldas e revistar os calçados de crianças, em dia de visitação. Isso é um tratamento degradante que causará a criança sofrimento e uma humilhação que ficarão registrados para sempre, e viola não apenas o princípio a dignidade da criança, mas também o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O mesmo se aplica ao visitante adulto que utilizar fraldas, que deverá fazer a substituição da fralda na frente do servidor que o estiver revistando. Imagine o constrangimento de alguém que por evidente problema de saúde tenha de se submeter a isso.
Chega as raias da crueldade, do castigo, excepcionalmente autorizar a visita assistida de lactante menor de 01 ano de idade, a partir do sexto mês de vida, ao pai, limitando-se a uma visita mensal. Isso poderá, quem sabe, até mesmo fomentar uma alienação parental, pois para os bebês, para as mães e também para os pais é muito importante o contato físico nos primeiros meses de vida.
Além disso, a IN ainda cria regras referentes ao vestuário que obrigam os visitantes a terem de mandar fazer algo adequado aos parâmetros previstos no texto legal, que prevê algo bem difícil.
Veja-se que, por exemplo, não será possível realizar a visita com um jeans, com uma calça que não seja de moleton, tactel ou legging. Do mesmo modo, não será possível realizar a visita se a pessoa estiver usando uma saia que não seja longa e lisa e que vá até os tornozelos, ou se estiver vestindo uma roupa íntima com forro, se estiver sem meias ou com um sapato, ou se estiver com uma sandália que não tenha solado de borracha, ou com um tênis que não seja com solado baixo e que ultrapasse a 2 cm.
Para piorar as roupas devem ser da cor azul, vermelha, rosa ou amarela, em tom claro. Isso é um absurdo! Pior do que cobrador de dívida usando “macacão laranja”. Será super constrangedor para as pessoas saírem nas ruas, irem aos seus trabalhos e demais compromissos sociais com tais trajes. Isso consequentemente irá deixar o preso mais só, desassistido, e dificultar sua reintegração social.
Não sendo suficiente a paleta de cores imposta aos visitantes, os “novos estilistas carcerários” projetaram seus “modelitos” refletindo as “últimas tendências nos presídios”, quais sejam, não podem possuir bolso, zíper, botão, bordado, forro, capuz ou cordão. Velcro pode? Que horror! Isso ocasionou um mercado de pessoas que vendem roupas, ou melhor “uniformes” para visitação de presos. Um verdadeiro despautério.
Até mesmo a alimentação dos prisioneiros ficou prejudicada. Não é surpresa alguma o fato de que as verbas destinadas ao sistema penitenciário brasileiro são mínimas, insuficientes para que grande parte dos presos tenham suas necessidades calóricas e nutricionais supridas e dignidade respeitada. O próprio Supremo Tribunal Federal já declarou que há, no Brasil, um “Estado de coisas inconstitucional” nas prisões brasileiras. Assim, os mantimentos levados pelos visitantes eram essenciais para que os presos pudessem ter uma alimentação mais adequada. Até mesmo isso foi retirado, pois a instrução determina que os comestíveis destinados para o consumo na visitação social não poderão ser levados para a cela.
Como se não bastasse, até mesmo os integrantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, representantes da OAB, representantes diplomáticos, representantes de organismos internacionais e nacionais voluntários e sociais, em atividade de inspeção, precisarão de previa autorização, e deverão especificar por escrito os motivos da visita. Onde já se viu, um juiz que tem competência para fiscalizar ter de pedir autorização prévia?
Sei que a questão de segurança é muito importante, mas que sejam revistados os presos após as visitas, não se pode expor os visitantes a situações tão humilhantes.
Espero que o judiciário examine esses pontos, pois, salvo melhor juízo, entendo que os artigos da IN, que criaram esse regramento, são inconstitucionais, violam a dignidade da pessoa humana e o princípio da inocência.
Foto da Capa: Agência Brasil