Quase 20 anos depois de sua criação, a sigla ESG está em moda. Empresas que pretendem apresentar-se como sustentáveis incorporam ao seu vocabulário diário essas três letrinhas, querendo mostrar sua preocupação com o ambiente (Environmental), com a sociedade (Social) e com as responsabilidades corporativas relacionadas ao conceito de governança (Governance). Para completar, alguns ressaltam que seu trabalho alinha-se com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela ONU, formando a chamada Agenda 2030. A adoção de um conjunto de práticas recomendadas por especialistas e um bom trabalho de propaganda surgem como receita ideal para que uma organização saia por aí ostentando seu compromisso com a sustentabilidade. Pode-se até mesmo conseguir alguns selos e certificados com isso e abrir portas junto a alguns financiadores e parceiros comerciais de interesse. O único problema é que essa sustentabilidade alegada não existe de fato.
Explico: a sustentabilidade, como pensada inicialmente, vai muito além da atual profusão de letras que tentam aprisionar seu espírito. Nem só de ESG e ODS vive a sustentabilidade. Em sua definição inicial, dizia-se que era “a capacidade das atuais gerações atenderem suas necessidades sem sacrificar a possibilidade das futuras gerações de fazerem o mesmo”. Segundo os bons dicionários, consiste na capacidade de sustentar-se ao longo do tempo, de continuar a existir. Em sua origem etimológica, do latim sustentare, significa cuidar, sustentar, conservar. Minha definição de sustentabilidade diz que “(…) é a situação (ou o conjunto de condições) que permite a um sistema ou grupo manter sua coesão, função, características e capacidade de aprimoramento sem, nesse processo, comprometer as condições atuais ou futuras de outros sistemas ou grupos de fazerem o mesmo” (Ferretti, 2022, p. 24). Entendo que a adoção das boas práticas de ESG e a implementação de ações que contribuam para alcançar os ODS ajudem realmente a melhorar as perspectivas em relação à sustentabilidade. Mas há um longo caminho a percorrer até então, do qual ESG e ODS são apenas uma pequena parte.
Sobre isso, importa considerar algumas questões. A primeira delas trata da vinculação consagrada da sustentabilidade com a temática ambiental, como se cuidar do meio ambiente fosse o todo da sustentabilidade. Não é. Há que se equilibrar as aspectos ambientais com os sociais e econômicos (o famoso Triple Botton Line ou Tripé da Sustentabilidade, proposto por Elkington em 1994). Ganhar dinheiro e distribuir benefícios sociais às custas do ambiente não é sustentável. Proteger o meio ambiente a tal ponto que inviabilize as atividades econômicas e prejudique as próprias relações sociais não é sustentável. Priorizar as pessoas sobre o ambiente não é sustentável, até porque as pessoas são tão ambiente quanto o restante do ambiente. Em suma, não tem como fazer sustentabilidade parcial: é tudo ou nada nesse jogo. A segunda questão a considerar refere-se ao fato óbvio de que sustentabilidade não é permanente. Trata-se de um estado, uma condição. Altamente mutável, instável, volátil. Portanto, não basta atingir a sustentabilidade: mantê-la é tarefa contínua. A terceira questão tem a ver com as próprias bases da sustentabilidade: aspectos ambientais, sociais e econômicos. Até onde entendo a proposta ESG, não vejo o aspecto econômico adequadamente contemplado na questão da governança. Considero que faltaria ali ainda um “F” (Financial, relativo às Finanças).
Outro ponto a considerar é que nosso modo de vida é, de fato, insustentável. Mais um grupo de letrinhas, os ESB (Earth System Boundaries, Limites do Sistema Terra), mostra dados que comprovam que já fomos longe demais em vários aspectos, forçando os limites planetários para além de sua capacidade de sustentar nosso modo de vida. Dos 8 limites elencados por Rockström e sua equipe de pesquisadores, 7 já se encontram além das margens consideradas seguras. Note-se: não se trata do fim da vida ou do planeta, apenas de sua capacidade de prover as condições que nos permitem viver como temos vivido. O mundo segue, do seu jeito. Nós é que, talvez, não estejamos mais aqui para ver como ficará. O fato é que, assim como trabalhamos pela paz, mas vivemos em guerra, também desejamos a sustentabilidade, mas vivemos em insustentabilidade. É com ela que nos deparamos todos os dias. E devemos estar preparados para essa realidade. Desejar sustentabilidade não deve levar a uma falsa noção de sustentabilidade. Até não alcançar o padrão necessário, tudo é insustentabilidade. Portanto, afirmar-se sustentável a partir das práticas de ESG e da implementação dos ODS é mera ilusão (ou excessiva pretensão).
Então, é errado usar esses parâmetros? É inútil? Não. Apenas é necessário ter a certeza de que isso é só uma pequena parte de um todo muito, muito maior. É preciso olhar com mais atenção, ver mais fundo, mais longe, prestar atenção aos detalhes. Vamos aos exemplos. Em minhas pesquisas sobre indicadores de desempenho e de sustentabilidade no setor de turismo, deparei-me com muitos métodos e propostas de mensuração. Alguns preocupados em encontrar um índice geral de sustentabilidade, outros medindo aspectos diversos sem estabelecer correlação entre eles. Decidi então criar uma metodologia que ajudasse a identificar, mensurar e relacionar o que chamei de Fatores Estratégicos de Sustentabilidade (FES, para quem preferir as letrinhas para resumir). Esses fatores representam aquilo que de fato importa, as condições e situações necessárias a uma atividade, segmento, empreendimento ou localidade em sua busca pela sustentabilidade. A metodologia criada permite compreender quais desses fatores geram maior impacto sobre essa atividade, segmento, empreendimento ou localidade. Também permite visualizar sua situação atual, sua tendência de evolução e seu nível de risco de comprometimento futuro. A partir dessas informações, apresenta o nível de relevância de cada fator analisado, o que auxilia na definição de prioridades, objetivos, metas, estratégias e ações, compondo um planejamento mais realista e adequado às necessidades de desenvolvimento da organização em análise. Essa mesma base de dados permite identificar os fatores que representem maior risco de insustentabilidade, cujo manejo deverá constar em planos de ação específicos (planos de contingenciamento).
E por que todo esse trabalho? Porque conhecimento é chave para a sustentabilidade. Não basta saber, por exemplo, que a água é importante e deve ser economizada ou reutilizada. Cabe perguntar: no meu município ou empreendimento, como está a disponibilidade de água? Como funciona a distribuição? Ela chega de fato até onde precisa, para todos os que precisam, com a frequência e a qualidade corretas? Existem conflitos locais de interesse em relação à água? Minha organização ou atividade corre riscos em relação ao uso da água? Em que prazo e de que maneira esse risco poderia gerar situações de insustentabilidade para minha atividade? Pensando em termos de sociedade: como está a capacidade da força de trabalho local? As pessoas de modo geral estão bem amparadas em suas necessidades, têm qualidade de vida? Têm acesso a serviços, estruturas, oportunidades? São qualificadas? Têm preocupações com seu futuro e o futuro da localidade? Têm comportamento ético, boa reputação? Qual a imagem que o mercado tem sobre nosso empreendimento, segmento, atividade, localidade? A mobilidade urbana afeta minhas atividades? A paz mundial é importante para meus negócios? Como e quanto a tecnologia impacta nossas rotinas? Enfim, são vários fatores e aspectos a considerar.
E o que esses Fatores Estratégicos de Sustentabilidades têm a ver com ESG e ODS? Cabe aqui fazer uma distinção: ESG serve para diminuir o impacto das organizações sobre o meio e a sociedade; ODS servem para sinalizar o rumo para uma sustentabilidade global pretendida; FES servem para compreender e avaliar o impacto do meio e da sociedade sobre as organizações. Todos são importantes e se completam. Aí entra a questão de olhar mais a fundo para a sustentabilidade e fazer perguntas: conheço realmente os fatores que representam a sustentabilidade do meu negócio ou atividade-fim? As práticas de ESG que adoto contemplam todos esses fatores, em seus diversos aspectos? A aplicação das práticas de ESG sobre os FES pode mesmo ajudar a alcançar os ODS? As práticas de ESG que utilizo podem de fato prevenir situações de insustentabilidade em relação à minha atividade-fim e favorecer a continuidade dos negócios? Estou investindo meus recursos corretamente? Tem algum aspecto que eu não esteja vendo claramente e que possa comprometer minhas operações em um futuro próximo? Tem algo que eu possa fazer para devolver ao mundo (ambiente, sociedade) alguma compensação por tudo que ele me proporciona? Quero que a sustentabilidade seja mais do que apenas marketing para minhas atividades? Tenho alguma preocupação altruísta com as pessoas e o planeta? Consigo de fato ganhar mais dinheiro e aproveitar mais oportunidades ao mesmo tempo em que ajudo o mundo a ser menos insustentável?
Não é fácil ser sustentável. Provavelmente, sequer seja possível. Mas é importante buscar esse objetivo. Até mesmo imprescindível, se pensarmos em termos de nossa contribuição para a perpetuação da espécie humana. Não somos o único fator de mudança, obviamente. Existem processos naturais. O planeta seguirá em busca de sua própria sustentabilidade. Se, em algum momento desse processo, formos considerados fator de insustentabilidade, é muito provável que o sistema planetário nos elimine para se reequilibrar. Mas não importa se mudamos o mundo sozinhos ou apenas contribuímos. Importa sermos responsáveis com aquilo que fazemos. Ajudar a não piorar, pelo menos. Talvez nunca cheguemos à sustentabilidade. Mas é nosso dever, em termos éticos, humanitários, intelectuais e civilizatórios, fazer o que pudermos para evitar chegar a uma situação que represente nossa própria insustentabilidade enquanto espécie. ESG, ODS, FES e outras letrinhas dessas podem ajudar. Basta lembrar que o mundo é muito maior do que isso.
Paulo Eduardo Macedo Ferretti é administrador de empresas. Mestre em Ambiente e Sustentabilidade, consultor para as áreas de turismo, planejamento estratégico, desenvolvimento regional, ESG e gestão para a sustentabilidade. (ferretticonsultoria@gmail.com)
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