A sustentabilidade ambiental era inicialmente definida como a compatibilização do desenvolvimento humano com a preservação da biosfera, ou seja, dos seres vivos que habitam o planeta. Atualmente, com o melhor entendimento das relações de interdependência entre os mundos físico e biológico, o conceito foi ampliado para incluir a atmosfera, a hidrosfera, a criosfera (gelo) e outros componentes importantes para a estabilidade do planeta, como os solos e a morfologia de bacias de drenagem e das costas.
Hoje quando falamos na preservação de ecossistemas estamos incluindo esses vários componentes pois, para sobreviver, os seres vivos precisam não apenas de outros seres vivos, mas também da estabilidade do ambiente físico em que vivem. Os humanos, convém lembrar, por mais que pretendam “dominar” a natureza, são seres vivos como os outros. Cada vez mais percebemos que também dependemos dessa estabilidade.
Nesse contexto, o conceito de sustentabilidade pode assumir um caráter muito mais pragmático. Precisamos preservar os ecossistemas planetários para garantir que tenhamos as condições necessárias para viver de forma minimamente saudável. Ou seja, precisamos compatibilizar o desenvolvimento humano e econômico com a manutenção dos ecossistemas do planeta.
Isso tudo parece óbvio e não deveria ser um tópico controverso. Sem dúvida, poderíamos, e deveríamos, discutir amplamente o assunto, pois essa compatibilização é um grande desafio social, econômico, tecnológico e científico.
Posicionamento da esquerda e da direita
Por mais evidente que seja a necessidade de todos buscarmos a preservação do planeta, não é assim que as coisas funcionam. No Brasil e no mundo de modo geral, a esquerda abraçou a defesa da sustentabilidade e a direita argumenta que o desenvolvimento deve estar acima desta preocupação. Há exceções, como veremos adiante. Mas essa descrição das posições da esquerda e direita, mesmo que nem sempre precisa, é uma generalização, infelizmente, válida.
A questão é: por que é assim? Por que conservadores, liberais econômicos e outros membros da direita não enxergam que a destruição do meio ambiente prejudica a todos?
“Papo de comunista” é uma frase que sintetiza muitas opiniões que recebo em minhas publicações nos vídeos e textos que alertam para a degradação ambiental do planeta e da necessidade de adoção de uma economia sustentável. Um tipo de posicionamento claramente vinculado às demais convicções políticas das pessoas, e não a um entendimento mais claro dos problemas que apresento.
Se ao escrever meu livro “Planeta Hostil” minha intenção foi ser o mais fiel possível à realidade da degradação ambiental do planeta, de forma rigorosamente científica, não posso, não podemos, ser menos realistas quanto ao espectro político atual e suas consequências.
A polarização
O Brasil está claramente polarizado entre uma direita predominantemente bolsonarista e antipetista, e uma esquerda predominantemente petista que considera errada qualquer posição política que não seja igual à sua. Aliás, ambos os grupos tendem a ser cruéis com quem não se alinha totalmente às suas ideias.
Não douremos a pílula. O país está assim mesmo. Com exceções, claro, mas que hoje em dia representam uma minoria. Ainda que muitas vezes sejam essas minorias que decidam as eleições (como demonstram os autores Felipe Nunes e Thomas Traumann no excelente livro Biografia do Abismo1) uma vez que as maiorias de esquerda e direita tendem a ter seu voto consolidado, a grande resistência às pautas pró-sustentabilidade dificulta o avanço do país.
Há muitas razões para a retórica antissustentabilidade atrair mais as pessoas de direita. No Brasil, talvez a principal seja à ligada ao grande agronegócio. Embora a preservação das florestas, principalmente à das matas ciliares (ao longo dos cursos d’água) e das nascentes seja algo bastante óbvio, pelo seu papel na redução da erosão e na manutenção dos córregos e rios que são vitais para a atividade agrícola, ainda assim muitos fazendeiros não preservam as matas que são essenciais para seus solos e fontes hídricas
A postura de muitos médios e grandes fazendeiros, que tendem a ser de direita, é um dos exemplos mais emblemáticos do equívoco de se confundir ideologia com a sustentabilidade. Cerca de 95% da agricultura brasileira depende do regime de chuvas, cuja estabilidade já está sendo afetada pelas mudanças climáticas.
As regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, grandes celeiros agrícolas do país, já estão sentindo esses efeitos. O Rio Grande do Sul, que era caracterizado por um regime de chuvas “bem distribuídas” (como sempre falava minha mãe, que era professora de geografia), está convivendo com eventos extremos de chuvas, inundações e secas que não tem equivalente em sua história.
Todas essas regiões, mas o Centro-Oeste acima de tudo, dependem em boa parte das chuvas que se formam devido à umidade trazida da Amazônia pelos “rios voadores”.
A destruição da floresta, que muita gente da direita defende em favor de uma exploração econômica de valor questionável, implicaria numa significativa redução dessas chuvas, inviabilizando o próprio agronegócio.
Os fazendeiros não estão sozinhos. Os empresários que poluem e fabricam e comercializam produtos contaminados que vão envenenar suas próprias famílias. Os donos das frotas de pesca que estão dizimando os cardumes que servem de base para seu negócio. Enfim, todos que defendem o desenvolvimento desenfreado que está acabando com os recursos naturais do planeta.
Há ainda outra vertente do posicionamento antissustentabilidade que é a tendência da direita, por razões diversas, de adotar o discurso anticiência. Aqui se agrupam desde quem questiona de forma razoável as projeções sobre, por exemplo, a elevação da temperatura da atmosfera (embora a maioria dos cientistas concordem que o aquecimento vai ocorrer, também sabem que há incerteza nas estimativas) até tresloucados terraplanistas.
Uma parte significativa da direita, principalmente seus ramos mais religiosos e conservadores, tem uma profunda desconfiança da ciência, talvez porque esta constantemente apresente novas ideias, o que pode deixar desconfortável quem baseia sua vida em dogmas ou conceitos solidificados.
Os conceitos de sustentabilidade e as evidências de degradação ambiental do planeta são baseados em estudos científicos. Daí, não chega a ser surpreendente que as pessoas com postura anticientífica também os questionem.
As exceções
Nem sempre os perfis típicos de direita e esquerda correspondem à realidade. Aqui na Serra Fluminense (moro em Petrópolis) há uma grande concentração de pessoas de direita. Bolsonaro ganhou com folga as duas últimas eleições. Há basicamente dois grupos: um formado por pessoas religiosas e conservadoras, incluindo católicos, protestantes, e uma leva cada vez maior de evangélicos. E outro constituído por pequenos empresários, que as esquerdas conseguiram jogar na oposição por tratar todos os empresários, inclusive o dono da loja de frutas que tem dois empregados, como “inimigos da classe trabalhadora”.
Por outro lado, vivemos aqui numa região de natureza exuberante, cuja preservação é fundamental por razões culturais e econômica. Aqui, o agronegócio é constituído por pequenos agricultores geralmente dedicados à hortifruticultura. O grande agronegócio está praticamente ausente. E há uma crescente fração de agricultores orgânicos. Outras atividades crescentes em importância incluem o turismo, a gastronomia e o montanhismo.
Por isso tudo, os moradores da Serra Fluminense, em sua maioria (pelo menos na minha percepção), têm uma grande preocupação com a preservação ambiental. Manter os solos, as matas, as águas, é uma prioridade para todos. Isso tem sido aprendido de forma às vezes dolorosa, com enchentes e deslizamentos no verão, e falta d’água no inverno, mas também porque é muito clara sua importância econômica e social.
E a esquerda? A princípio, como eu mencionei acima, a esquerda abraçou de forma geral as pautas progressistas. Assim, é natural que defenda o combate à degradação ambiental e a sustentabilidade. Mas há exceções.
Vejamos o caso do atual governo brasileiro. Nós temos no Ministério do Meio Ambiente uma ambientalista respeitada no mundo inteiro, a ministra Marina Silva. Mas ela está isolada. No controle das decisões do governo está o grupo chamado de “desenvolvimentistas”.
Pois os desenvolvimentistas, ainda que não abertamente, consideram que a sustentabilidade é uma preocupação secundária, sendo mais importante garantir o desenvolvimento econômico e o pleno emprego. Essa visão muitas vezes leva à adoção de políticas antiquadas e à manutenção de um sistema econômico baseado em atividades pouco rentáveis no mundo moderno, como monoculturas, extração mineral, indústrias automotivas pouco inovadoras, e outras que só são lucrativas à custa de muito subsídio.
Estamos todos no mesmo barco
As transformações do planeta ameaçam a todos. Seus negócios, suas famílias, sua própria vida. Chegou a hora de as pessoas com um mínimo de bom senso, cujas mentes não estejam totalmente dominadas pela verdadeira lavagem cerebral promovida pelas fake news, se unirem nessa compreensão.
Que continuemos desunidos na política, melhor se for com respeito mútuo, mas unidos na defesa da sustentabilidade. Num futuro já muito próximo, nós mesmos vamos nos agradecer.
1Felipe Nunes e Thomas Traumann, “Biografia do abismo: como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil”, publicado pela Harper Collins, Rio de Janeiro, 2023.
Observação final: Para vídeos e textos adicionais confira também meu Instagram @marcomoraesciencia.
Foto da Capa: Freepik
Mais textos de Marco Moraes: Clique Aqui.