O campo político da direita já tem uma candidata preferencial a deputada federal por São Paulo. Saudada com a declaração/slogan “Débora, o Brasil te ama”, pronunciada por ninguém menos que Jair Messias Bolsonaro, famoso pelo machismo e por ser companheiro dela no banco dos réus do STF, Débora Rodrigues dos Santos deixou o Centro de Ressocialização Feminina de Rio Claro, no interior paulista, e já está em casa, na também paulista Paulínia.
Acusada por crimes cujas penas somam 14 anos de prisão, Débora Santos corre risco de ficar inelegível com base na Lei da Ficha Limpa, mas o PL já pensa em lançá-la candidata no ano que vem. Qualquer que seja o resultado do julgamento de Débora, o caso dela será amplamente usado na campanha. A cabeleireira vai ser mostrada como vítima de restrições à liberdade de expressão. E o “slogan” criado por Bolsonaro se presta em qualquer caso…
Flagrada – com ares de orgulhosa do que tinha feito e parecendo nem um pouco preocupada com os filhos que deixara em casa no dia 6 de janeiro de 2023, quando tomou o ônibus para se juntar aos golpistas acampados na frente do QG do Exército aqui em Brasília – pichando a estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes, Débora Santos ficou pouco mais de 730 dias na cadeia.
Beneficiada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, a cabeleireira vai aguardar o final do julgamento – suspenso por um pedido de vista do ministro Luiz Fux – em casa. Moraes, tido pelos bolsodéboristas, ou débobolsonaristas, como algoz de uma inocente mãe, atendeu pedido da Procuradoria Geral da República (PGR) e determinou que Débora espere a sentença em prisão domiciliar. Mas impôs algumas obrigações a ela:
Não usar as redes sociais.
Usar tornozeleira eletrônica.
Não se comunicar com os demais envolvidos na tentativa de golpe.
Não dar entrevista para nenhum meio de comunicação sem expressa autorização do Supremo Tribunal Federal. Não receber visitas que não sejam de seus advogados constituídos, dos pais e irmãos e outras pessoas com autorização prévia do STF.
Hoje, Débora Santos, que, pela condição de mãe, virou musa dos defensores da anistia aos golpistas, é uma a menos na população carcerária feminina do Brasil, uma das maiores do mundo segundo levantamento do World Female Imprisonment List, divulgado no final de 2022. Em dezembro de 2021, 43 mil mulheres estavam encarceradas no Brasil. E 45% delas estavam presas sem julgamento, segundo o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Apesar de parecer uma sofredora, Débora pode ser considerada uma privilegiada. A participação dela nos atos golpistas – e o uso do caso dela em defesa dos apoiadores e incentivadores do golpe – lhe deu uma notoriedade que é negada a dezenas de mulheres grávidas e mães invisíveis aos sistemas judiciais dos estados.
Embora uma decisão do STF, de 2018, garanta a todas as gestantes e mães de crianças de até 12 anos de idade o direito à prisão domiciliar, levantamentos oficiais mostram que perto de 13 mil grávidas, ou mães de crianças pequenas, estão presas no Brasil.
O caso de Débora Rodrigues dos Santos deveria embalar uma campanha (liberou Débora, libera todas) junto aos tribunais de Justiça dos estados para o cumprimento imediato da decisão do STF, que já vai completar oito anos de idade. Quem sabe as lideranças dos movimentos feministas assumem essa tarefa?
Os dados sobre a população carcerária feminina estão disponíveis no Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As defensorias públicas estaduais também podem se inspirar no caso Débora Santos e defender as crianças filhas de mães que Bolsonaro não conhece e que não têm o condão de servir de escudo para ele.
E por falar em Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes bem poderia ter imposto uma outra obrigação à cabeleireira Débora. Que ela leia – ao acordar e antes de dormir, todos os dias – um compilado de frases do capitão reformado sobre as mulheres. Aqui vão algumas:
Começo pelo cúmulo do machismo. Em 2014, respondendo críticas da deputada Maria do Rosário (PT/RS), Bolsonaro disse que ela – Maria do Rosário – não “merecia” ser estuprada.
Mais para frente, já presidente da República, o capitão reformado fez apologia ao turismo sexual. Em 2019, Bolsonaro atacou o público LGBTQIA+ e disse que quem quisesse vir ao Brasil fazer sexo com mulheres se sentisse à vontade.
Mulheres jornalistas também são vítimas do machismo e dos preconceitos de Bolsonaro. Irritado com as denúncias da repórter Patrícia Campos Mello de irregularidades cometidas durante a campanha eleitoral de 2018, o então presidente se saiu com essa numa daquelas conversas com seguidores no cercadinho do Palácio da Alvorada: ela queria dar o furo…
Fora isso, Bolsonaro já mandou uma mulher jornalista calar a boca e chamou outra de quadrúpede.
E uma vez, perguntado pela cantora Preta Gil sobre o que faria se um filho dele se apaixonasse por uma negra, ele não hesitou em deixar sair essa barbaridade:
– O Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco porque meus filhos foram muito bem-educados. E não viveram em ambiente como, lamentavelmente, é o teu…
Enfim, é possível usar o erro da Débora de se juntar aos bolsogolpistas de 2023 para corrigir outros erros nacionais – especialmente em relação às mulheres – e não deixar cair no esquecimento barbaridades como essas do Bolsonaro.
O Brasil pode amar você, Débora Santos. O ex-capitão está apenas usando você. Pense nisso quando lhe oferecerem alguma legenda para se candidatar a algum cargo…
Ah! E já que estamos falando de mulheres e para não dizer que não falei de Lula, confesso que não entendi direito uma frase do presidente na declaração de defesa do direito de a primeira-dama Janja da Silva viajar e participar de eventos oficiais como convidada e como representante do marido.
Disse o Lula: “A mulher do presidente Lula não nasceu para ser dona de casa. Ela vai estar onde ela quiser, vai falar o que ela quiser e vai andar pra onde ela quiser. É assim que eu acho que é o papel da mulher.”
Tudo bem, presidente. Mas dona de casa não pode falar o que quer e não anda por onde quiser andar???
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Foto da Capa: Reprodução de Redes Sociais