Em busca de assunto (e palavras) para escrever a coluna desta segunda-feira, pensei que, talvez, um passeio por Brasília me ajudasse. Cruzei o Lago Paranoá pela Ponte JK (bá, essa rima é culpa da nomenclatura da cidade). Vi, à esquerda, a Praça dos Três Poderes com o prédio do Congresso se impondo sobre o Palácio do Planalto e o prédio do STF.
Talvez devesse escrever sobre o que se passa dentro daquele edifício, que Niemeyer e Lucio Costa fizeram monumental, de modo a ser visto de qualquer ponto da capital do país avisando que ali o povo exerce seu poder por meio de deputados e senadores.
Talvez exerça…E, talvez, você esteja cansado de saber que, ali, alguns – e digo alguns porque generalizar é ruim – exercem o poder do povo em proveito de cada um, ou de grupos restritos…
Talvez entrando na Vila Planalto saia com o assunto da coluna. A vila é o conjunto onde moravam os engenheiros das construtoras e local do crime que ficou conhecido – e nunca apurado – o Massacre da GEB. Em fevereiro de 1959, cansados das péssimas condições de trabalho a que eram submetidos e da, pior ainda, qualidade da comida servida no refeitório da empresa, dois operários reclamaram e começou um tumulto.
A hoje extinta, mas nunca esquecida GEB, Guarda Especial de Brasília, mandou dois homens para resolver a situação. Cercados pelos trabalhadores, os guardas foram embora. À noite, quando quase todos dormiam, a GEB voltou com 30 homens. Dezenas de trabalhadores foram executados. Talvez seja melhor não lembrar desse crime sem castigo (mais um) para não estragar o seu começo de semana.
Seguindo da vila em direção ao Palácio da Alvorada, chego à esquerda ao velho Clube da Imprensa. Brasília é a cidade dos clubes. Tem Clube do Congresso, Clube da Câmara dos Deputados, Clube dos Servidores da Fazenda, Clube dos Advogados, dos Engenheiros, do STF. É clube que não acaba mais…
Talvez eu escreva sobre os debates políticos do Clube da Imprensa onde, até nos intervalos das peladas a gente debatia sobre os problemas salariais e as condições de trabalho dos jornalistas, onde se organizavam piquetes de greves e eram pintadas as faixas do Pacotão, o bloco carnavalesco que, de 1978 da 84 criticou sem dó a ditadura militar .
O bloco, cujo nome completo era Sociedade Armorial Patafísica Rusticana, o Pacotão, deixou versos imortais na história de Brasília, como esses de 1979, eleição do último general presidente: Geisel, você nos atolou! O Figueiredo também vai atolar! Ou esses, de 1984: cai na real general, eu este ano vou votar para presidente! Mas as peladas acabaram, o clube está abandonado, o pacotão se perdeu e sindicato quase não há…
Opa, cheguei ao Alvorada. Talvez escreva sobre a família que morou aqui até o fim de dezembro de 2022 e que gostava tanto de joias e muito pouco de ciência e democracia. Mas já se gastou tanta energia (pólvora em chimango, como diziam os antigos…) com esse pessoal que talvez seja melhor esquecê-los…
Um pouco mais e passo na frente do Palácio do Jaburu, de onde saiu o general Hamilton Mourão, cariúcho, nascido em Porto Alegre, criado no Rio, flamenguista, que o Rio Grande mandou para o Senado em vez de votar no gaúcho de São Luis Gonzaga, colorado Olívio Dutra. Mas o general faz pouco na Câmara Alta…
De volta para casa, ainda sem assunto, enfrento a tela branca do notebook e me convenço, mais ainda, da crueldade que contém o advérbio talvez. E lembro da definição dessa palavra que li em Mayombe, livro do angolano Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, por alcunha, Pepetela. Diz ele, que talvez é não para quem queria ouvir sim e sim para quem temia ouvir não.