O 13 de julho marca o Dia Mundial do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), data criada para conscientizar a população sobre a importância do diagnóstico e tratamento, direitos e inclusão das pessoas que possuem essa condição.
Como nos informa o Dr. Dráuzio Varella, o TDAH aparece no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a chamada “bíblia da psiquiatria”, somente no final da década de 1980, sendo considerado ainda novo, o que leva a inúmeros equívocos e interpretações errôneas, como a existência de uma suposta epidemia, dado o aumento do número de diagnósticos.
Referência mundial em TDAH, o Dr. Luis Augusto Rohde é professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diz que “hoje nós estamos reconhecendo muito mais os diagnósticos psiquiátricos. Muitas das questões psiquiátricas que eram vistas de forma estigmatizada, antigamente, como a área de TDAH, na qual as crianças e adolescentes eram vistos como preguiçosos, burros, mal comportados, nós estamos conseguindo identificar que, na verdade, são quadros de neurodesenvolvimento, de TDAH.”
Mesmo reconhecendo que eventualmente, em situações pontuais, pode haver “excessos de diagnósticos psiquiátricos” afirma que, “em termos de saúde pública, no Brasil, nosso problema é o sub-reconhecimento e o subtratamento de condições psiquiátricas.”
“O TDAH é a condição neuropsiquiátrica mais bem estudada de todas. Mas, de maneira geral, continua sendo muito mal compreendida.” É o que afirma a Dra. Raquel del Monde, reconhecida especialista no tema, também alertando: “Que ninguém se engane: TDAH é uma condição real, que tem um grande impacto na vida das pessoas com esse diagnóstico.”
A médica também esclarece que TDAH não é somente falta de atenção. “A hiperatividade também é frequentemente compreendida de forma limitada, como se fosse apenas uma questão de inquietação motora. Mas ela pode se manifestar de outras maneiras, como impulsividade, impaciência, fala excessiva, dificuldades no autocontrole e pensamento acelerado.”
Eu assino embaixo disso, pois nunca tive essa inquietação motora, porém, sempre convivi com o pensamento acelerado e as demais características citadas por ela. Psicoterapia, o uso de medicação e suporte na escola e no trabalho fazem toda a diferença. Mas o que acontece quando a pessoa desconhece essa condição?
Como recebi o diagnóstico depois dos meus 45 anos, posso atestar que não é fácil conviver com tamanha falta de autoconhecimento. Acreditamos que nossos erros são falhas nossas, de caráter mesmo. Passamos a acreditar que somos incompetentes, não temos persistência. O que leva a se falar em outra epidemia, “a epidemia da vergonha.”
Se a culpa é o sentimento gerado por algo que fizemos ou deixamos de fazer, a vergonha é um sentimento que se direciona a quem você é. Quando você esquece a chave da porta de casa e precisa chamar o chaveiro para entrar uma vez, você se sente culpado. Mas, quando isso acontece várias vezes, a ponto de você sempre ter na agenda o contato de um chaveiro de plantão 24 horas, você já não se sente culpado por ter esquecido a chave, você passa a ter vergonha de ser você mesmo. Ainda mais quando, desde muito cedo, você ouviu comentários negativos sobre suas características, inclusive essa: de ser esquecido. E há estudos estimando que, aos 10 anos, uma criança com TDAH já passou por mais de 20.000 correções ou comentários negativos.
Porém, as consequências de não saber ser uma pessoa com TDAH vão muito além disso, como a Dra. Marta Hemb, PhD em Neurociências e pediatra especialista em neurologia infantil mostrou, em recente publicação nas redes sociais. Ela apresentou os resultados revelados num artigo de 2020 sobre os estudos da International Collaboration on ADHD and Substance Abuse (ICASA), uma rede de 28 centros de 16 países que investiga a relação entre o TDAH e o transtorno do uso de substâncias (TUS), ou falando em linguagem mais popular, o vício em drogas.
Os levantamento aponta que aproximadamente 1 em cada 6 pacientes em busca de tratamento para TUS também tem TDAH. Existem várias razões pelas quais pessoas com TDAH não tratado apresentam um maior risco de desenvolver TUS. Entre os motivos estão a autorregulação deficiente, dada as dificuldades apresentadas pelas pessoas com TDAH para controlar seus impulsos e emoções.
A busca de autotratamento e a sensação de alívio foram outros dos motivos apresentados, pois as substâncias podem ajudar a aliviar os sintomas do TDAH, como hiperatividade, dificuldade de concentração e impulsividade, além de proporcionar uma sensação de calma e foco. Também é lembrada a influência social, uma vez que a falta de tratamento para o TDAH pode levar a dificuldades sociais e acadêmicas que aumentam o risco de utilizar drogas para ter maior aceitação social.
Outros estudos vão em direção semelhante. Pesquisadores canadenses observaram em um estudo que envolveu mais de 20.000 pessoas que praticamente 1 em cada 4 mulheres com TDAH tentou o suicídio: 23,5% disseram ter tentado suicídio, em comparação com 3,3% das mulheres sem TDAH. Entre os homens, 8,5% com TDAH disseram ter tentado suicídio, em comparação com 2,1% dos homens sem TDAH.
O estudo concluiu que adultos com TDAH em geral têm cinco vezes mais probabilidade de tentar suicídio do que seus pares neurotípicos (14% x 2,7%). A correlação entre TDAH e suicídio, dizem os pesquisadores, é amplamente explicada pela depressão ou ansiedade crônica comórbida — os fatores de risco mais fortes. Até mesmo porque a ansiedade atinge 47% das pessoas com TDAH, uma proporção significativamente mais alta do que no restante da população.
Os dados apontam para a necessidade de se fazer um recorte de gênero nas pesquisas e tratamentos, observando-se as diferenças na forma como homens e mulheres vivem o TDAH e como isso influencia em sua qualidade de vida e tratamento. Os pesquisadores também sugerem que a pessoa que desconhece o TDAH ou que não o trata está mais sujeita às consequências faladas acima, como o uso de drogas, ansiedade, depressão e tentativas de suicídio.
O diagnóstico de TDAH vai muito além de dar um rótulo para um aluno mal comportado que não consegue ficar quieto em sala de aula: ele pode salvar vidas.
Foto da Capa: Freepik
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