Nem só de retrospectivas vive o bom sujeito. É claro que olhar o ano que passou, seus “saldos” e aprendizados, é sempre muito bom e eu adoro fazê-lo. Mas confesso que gosto muito mais de me debruçar sobre os relatórios e artigos que sugerem as grandes tendências que irão transformar o mundo no próximo ano.
Acabo sempre por lembrar da frase do professor, amigo e colega de Apdesign, Norberto Bozzetti: “62,37% das estatísticas são feitas na base do chute, inclusive esta”. Ou seja, quase sempre desprovidas de qualquer caráter científico, estas listas de tendências enfileiram coisas novas e que são curiosas de percebermos, mas que não parecem ter qualquer utilidade além de nos distrair, em nossa ancestral melancolia típica das passagens de ano.
Isso por si só não seria um problema, não fosse o fato de que muitos (executivos de grandes marcas, inclusive) passam a ter estas listas como parte de seus “to DOs” do ano. Mobilizam suas áreas e organizações para tratar de questões do “Depois de Amanhã” muito incerto, quando ainda se há muito a fazer para evoluir as certezas do “Hoje” e do “Amanhã”.
Mas vamos ao que interessa. Vamos avaliar criticamente algumas destas sugestões de tendências.
METAVERSO
O Metaverso é figura cativa nas listas das tendências que vão mudar o mundo a partir de 2023. A queridinha de Mark Zuckerberg consumiu quase 10 bilhões de dólares em investimentos somente no último trimestre de 2022, entretanto tenho muita dificuldade em compreender sua aplicabilidade, com efetiva relevância ao nosso cotidiano (de consumo, de trabalho, de entretenimento ou qualquer outro).
É claro reconheço a importância da realidade virtual e da realidade aumentada. Essa última, inclusive, lembro de ter conhecido com espanto na Cebit, em Hannover (Alemanha), lá no longínquo ano de 2009. Lembro da caixa de Lego que demonstrava o produto montado e em animação.
De lá para os celulares evoluíram muito, os Gs das bandas de conectividade também… e nada da tecnologia ser aplicada massivamente. Arrisco dizer que mais uma vez veremos todas as suas possibilidades na NRF, maior feira de varejo do mundo (ou retalho, para os portugueses) que acontece em Nova Iorque, este ano.
Para desafiar meu próprio ceticismo, fui buscar nos conteúdos oficiais da Meta argumentos que justifiquem a importância do dito ambiente e sua aplicabilidade. O paper “What do we want from the metaverse?” fala muito sem dizer nada. Assim, desculpe-me os entusiastas, mas sigo com dificuldade de perceber o Metaverso apoderando-se de nossas vidas.
CRIPTOS
Mesmo com 2022 sendo um “balde de água fria” aos entusiastas das criptos, com queda da bitcoin para acerca de ⅓ do seu valor do começo do período e a implosão de alguns ecossistemas e corretoras, como Terra-Luna e FTX, o dinheiro virtual segue em algumas listas das tendências que vão consolidar-se a partir de agora. Mesmo que ainda não tenhamos evidências claras de aplicações que realmente justifiquem sua massificação.
Até mesmo os celebrados blockchains ficaram em check, saindo dos planos imediatos de gigantes como Microsoft e Amazon ou até mesmo da Bolsa de Londres, o que coloca em risco as expectativas sobre as digital wallets e NFTs.
ChatBOT e a real aplicação da AI
Outra sensação das listas está no uso de Artificial Inteligence (AI) nos negócios. Aqui, temos um ponto em que concordo massivamente com a evolução gigantesca que temos na aplicabilidade das tecnologias de AI (assim, no plural), pois, ao contrário de todo o resto, qualquer um de nós rapidamente encontra uma dúzia de aplicabilidades para o seu uso.
Nesse aspecto, vale destacarmos todo o barulho em torno do ChatGPT, sistema de AI conversacional que movimentou o planeta nos últimos dias do ano. Foram milhares de pessoas a pedir conselhos, poemas, lições de vida e muito mais para uma máquina que impressiona, mas assusta também pela sua capacidade de espalhar desinformação.
Os temas em torno de AI já evoluem há bastante tempo e, é bem verdade que, serão ainda mais acelerados em 2023, com evidência real ao nosso dia a dia. O porém fica para a listas que tornam simplório o seu uso, pregando que do dia para a noite teremos AI em todos os cantos. Não podemos esquecer que como qualquer tecnologia, teremos a exigência de haver o bom uso de suas possibilidades.
Quem de nós não é capaz de citar alguns canais chatBOT que mais nos tiram do sério do que nos ajudam com algo?
OUTRAS BOBAGENS
Não faltam listas que empacotam megatendências que há muito estão aí e tentam trazer os seus grandes impactos para o presente 2023, como “humanização dos robôs”, “tecnologia mais sustentável” e “progressos dos sistemas autônomos”, para ficar apenas em alguns.
Bom, parece que a idade me conferiu um apreço especial por criticar estas listas e poderia escrever por horas, muitas vezes quase em tom de deboche, mesmo que seja um entusiasta do tema inovação. Então, listo aqui alguns trabalhos interessantes e que podem ser consumidos por todos, para o melhor e o pior entendimento do que estou falando aqui.
Feliz 2023 para todos nós!
Relatórios e conteúdos sobre tendências para 2023
Gartner – Top 10 Tendências Estratégicas em Tecnologia
https://www.gartner.com/en/articles/gartner-top-10-strategic-technology-trends-for-2023
Trend Watching – Tendências para 2023
https://www.trendwatching.com/2023-trend-check
Forbes Brasil – o pior conteúdo que achei sobre o tema
https://forbes.com.br/forbes-tech/2022/11/as-10-principais-tendencias-tecnologicas-para-2023/