O telhado vazou. Incontestavelmente. Choveu e inundou o banheiro que inundou o corredor que inundou a sala. Depois parou a chuva e tudo secou, mas foi só voltar a chover que molhou novamente, com direito a inundar tapete, estragar móvel e causar estresse.
Era a hora de orçar o conserto e a convenção do imóvel exigia três orçamentos razoáveis. Foram todos diferentes, como os três amantes de Teresinha, na canção do Chico. O primeiro chegou dizendo que eram as telhas. Havia furos óbvios sobre a ferrugem sutil, punha-se primeiro uma manta de paliativo, depois era só substituí-las com direito, digo, dever de uma impermeabilização em todas as peças.
O segundo chegou achando as telhas suficientes e focou na calha, chocado com a deterioração geral e alguns prováveis entupimentos em pontos sucessivos. O terceiro chegou ignorando as telhas e minimizando o estrago das calhas. Com um prévio pedido de desculpas, anunciou a notícia de que o diagnóstico correto estava no condutor, ou seja, longe da telha e da calha, lá embaixo, exigindo quebra de parede, troca de madeira e de alvenaria, embora houvesse uma pequena chance de que um ajuste no bocal resolveria.
Como Teresinha estivesse confusa daqueles três homens tão diversos, chamou-se um quarto homem que chegou de forma ainda mais aguda, vaticinando que não era calha, telha, condutor, mas um telhado inteiro que necessitava de reposição completa.
Teresinha ficou profundamente confusa com aquela ambivalência terrível de seus interlocutores, sob este paradoxo desmedido entre as opiniões, mas não tinha tempo para lamentar. Faltou dizer que a sua sala era um consultório com um divã sobre o chão, onde se deitavam pessoas diante de outros desmedidos paradoxos e ambivalências terríveis. Um bando de Teresinhas, em meio a um tropel de incertezas, sob o desamparo do que nunca foi linear e sempre será obscuro.
Teresinha entendeu que pouco adiantava olhar para o teto. Não haveria sol nem céu que pudesse ser a redenção do que se passava sobre o chão.
Teresinha entendeu que, ao contrário de sua xará do Chico, não haveria um quinto ou sexto amante que traria a salvação.
Forasteiro nenhum teria certeza sobre o telhado, onde a vida era comezinha, polifônica e polissêmica como se fosse no chão.
E, quando choveu novamente, Teresinha molhou-se como das outras vezes, mas estava paradoxalmente mais leve de conhecer o peso de sua condição humana.