É muito comum que as pessoas desejem que a totalidade ou parte de seus bens fiquem com aqueles com quem têm maior vínculo afetivo, confiança, admiração, ou que, por situações pessoais, enfrentem mais dificuldades e precisem de mais auxílio.
Essas pessoas geralmente são os filhos, cônjuges, pais, irmãos, sobrinhos, grandes amores, pessoas muito importantes na sua vida, pessoas que lhe ajudaram, mas não raro são instituições, asilos, orfanatos, hospitais, igrejas, fundações etc. E isso é feito por meio de testamentos, doações ou codicilos.
Os bens e valores de maior valor são normalmente deixados por testamento, ou doados em vida.
A herança é a universalidade dos bens, que pode ser a totalidade ou parte dos bens deixados.
Legado é uma disposição testamentária pela qual o testador determina que seja entregue uma parte da herança, ou certa coisa ou quantidade de algo, a determinada pessoa.
Codicilos são aquelas disposições de última vontade, em que a pessoa deixa por escrito como gostaria que fosse seu enterro, destina um valor para tanto, determina com quem ficarão alguns bens ou valores de pequena monta, joias ou relógios, objetos não muito valiosos, roupas etc.
Com relação aos tipos de testamento, esse artigo tratará apenas de alguns aspectos das três principais formas de testamento que são o público, o cerrado e o particular. Não tratarei dos testamentos especiais que são o marítimo, o aeronáutico e o militar, pois ocorrem excepcionalmente, e em circunstâncias muito especiais. Abordarei também alguns aspectos sobre doações, antecipação de legítima e colação de bens.
Pessoas que podem testar, a questão das pessoas com deficiência, dos ébrios, dos viciados em tóxicos e dos idosos
Todas as pessoas capazes podem dispor, por testamento. Contudo, não podem fazer um testamento os incapazes e aqueles que, no ato de testar, não tiverem pleno discernimento. Outrossim, os maiores de dezesseis anos podem testar.
Ressalte-se que com a mudança ocorrida no Código Civil, em razão do Estatuto da Pessoa com Deficiência, hoje somente são considerados absolutamente incapazes os menores de 16 anos, e as pessoas com deficiência foram equiparadas aos plenamente capazes, passaram a ter capacidade plena.
Como costuma acontecer quando um paradigma legal é alterado, essa mudança nas regras de incapacidade vem gerando muito debate jurídico sobre a possibilidade de a pessoa com deficiência testar.
De acordo com a definição legal considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, possa obstruir sua participação plena e efetiva e em igualdade de condições com as demais pessoas.
Filio-me aos que entendem que nem todas essas deficiências suprimem o entendimento da pessoa com deficiência para testar, afastam sua capacidade para testar, o direito de poder escolher para quem irá ficar a sua herança, que é um ato personalíssimo e super justo. Por que não poderia o deficiente deixar seus bens para aqueles que lhe deram mais amor, lhe apoiaram, ao invés de deixar para aqueles que o trataram com indiferença, quiçá crueldade?
Claro que isso deve ser analisado com cuidado, caso a caso, e se o impedimento for de tal forma que afaste seu discernimento, deverá ser submetido a um processo de interdição, que poderá ser total ou parcial, e lhe ser nomeado um curador. Em consequência se tornará incapaz, e não poderá testar. Mas isso somente em situações excepcionais.
Para que um ébrio ou viciado em tóxico seja proibido de testar, ele deverá ter sido interditado, e lhe nomeado um curador. Todavia, o fato de ele ser um ébrio eventual, ou apenas um viciado, não será suficiente para a interdição. Ele precisará estar efetivamente sem condições psíquicas de tomar decisões de natureza financeira, de levar a sua vida de uma forma razoável.
Basta pensar um pouquinho, que você vai lembrar de muitas pessoas, solteiras ou casadas, com filhos ou sem filhos, que com frequência tomam um pilequinho, ou fumam “unzinho” todos os dias, mas são um sucesso do ponto de vista profissional, vivem bem com suas famílias, são bem quistos, admirados e até idolatrados pela sociedade. De fato são tão felizes ou infelizes, ajustados ou desajustados, quanto qualquer abstêmio ou “careta”, e têm plena aptidão e capacidade para efetuar as suas escolhas, para decidir quem serão os beneficiados pelos seus testamentos. Assim, para que uma interdição ocorra, as consequências dos seus vícios devem ser graves, e afetarem efetivamente sua capacidade de discernimento.
Com relação aos idosos, não há limite de idade para testar, mas é importante, e exigido por muitos tabeliães, que se apresente um atestado médico declarando que o testador se encontra com seu juízo perfeito, em pleno gozo das suas faculdades mentais, com pleno discernimento. Mesmo que não seja exigido pelo tabelião, preventivamente é interessante apresentar esse atestado ao tabelião e requerer que ele seja mencionado no testamento, inclusive para afastar questionamentos judiciais que possam acarretar a nulidade do testamento, o que traria grande prejuízo para os escolhidos para receber a herança.
Não poderá dispor de seus bens em testamento cerrado quem não saiba ou não possa ler. Poderá fazer testamento cerrado o surdo-mudo, contanto que o escreva todo, e o assine de sua mão, e que, ao entregá-lo ao oficial público, ante as duas testemunhas, escreva, na face externa do papel ou do envoltório, que aquele é o seu testamento, cuja aprovação lhe pede.
Nomeação de herdeiros ou legatários
O testador poderá dispor livremente, o beneficiário poderá ser uma ou mais pessoas, tanto físicas quanto jurídicas.
Entretanto, não poderão ser nomeados herdeiros nem legatários a pessoa que, a pedido, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos; as testemunhas do testamento; o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos; o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.
Saliente-se que são nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas que não podem receber heranças.
Disposição da totalidade ou parte dos bens
Se não houver herdeiros necessários, leia-se, descendentes (filho, netos, bisnetos), ascendentes (pais, avós, bisavós), ou cônjuge ou companheiro ou companheira, o testador poderá dispor da totalidade dos bens. Se houver herdeiros necessários, o testador somente poderá dispor de 50% dos bens, que será a sua “parte disponível”. Deverá, portanto, respeitar a “legítima”, que é a porção reservada por lei aos herdeiros necessários, que corresponde à metade dos bens da herança.
Reduções testamentárias
Quando ocorrer a morte do testador, acontecerá a chamada “abertura da sucessão”, e é nesse momento que se verificará o real patrimônio do testador, devendo ser deduzidos do cálculo do seu montante, suas dívidas.
Para tristeza dos favorecidos pelo testamento, pode ser que nesse momento, a situação patrimonial do testador seja bem diferente daquela existente no momento em que ele foi escrito, e as disposições que excederem a parte disponível, que desrespeitarem a “legítima”, conforme acima explicada, deverão ser proporcionalmente reduzidas até onde baste, e, não bastando, também os legados, na proporção do seu valor.
Doações, antecipação de legítima, colação
Se tiver havido doação de ascendentes para os descendentes, ou de um cônjuge ou companheiro ao outro, isso constituirá adiantamento do que lhes cabe por herança, o chamado adiantamento de legítima. Nessa hipótese, quando ocorrer a abertura da sucessão, com a morte do testador, o cônjuge, companheiro ou descendente que recebeu antecipado a sua herança, deverá levar esse bem ou bens para colação, que nada mais é do que um procedimento para igualar o quinhão da legítima dos herdeiros, para que nenhum herdeiro tenha a sua legítima prejudicada. Se aqueles beneficiados pela doação, não tiverem mais os bens doados, deverão devolver o valor em dinheiro.
Entretanto, a lei dispensa que sejam trazidas para a colação as doações em que o doador determinar que saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação. Essa doação da parte disponível precisa estar expressa na escritura pública de doação, para que ocorra a dispensa da colação.
Assim, os bens dados com dispensa da colação, não serão computados para o cálculo da legítima para fins de testamento, e o cálculo da legítima considerará o patrimônio existente no momento em que o testador faleceu, e não a situação patrimonial de quando o bem foi doado para o herdeiro.
Alteração ou revogação de um testamento
O testamento pode ser alterado ou revogado, total ou parcialmente, a qualquer tempo. Todavia, algumas vezes as pessoas reconhecem em um testamento que tiveram um filho há muitos anos atrás, e que gostariam de deixar para ele ou ela, o seu quinhão. A revogação do testamento não afastará esse reconhecimento de maternidade ou paternidade.
Necessidade de advogado
Não é obrigatória a presença de um advogado, mas recomendo sempre consultar um profissional para que ele lhe ajude a elaborar uma minuta com as principais condições desejadas no testamento, lhe instruir sobre os limites do que pode ser testado, e para que ele possa preventivamente evitar algum mal entendido nas disposições testamentárias, que ocorra alguma causa de nulidade do testamento.
Testemunhas
O atual Código Civil não determinou quem pode ou não pode ser testemunha em um testamento, mas proíbe que sejam nomeados herdeiros ou legatários as testemunhas do testamento. Assim, não há a princípio vedação que parentes ou amigos íntimos sejam testemunhas. Todavia, livre seus parentes de ficarem antipatizados pelos preteridos ou esquecidos pelo testamento, e tome cuidado para escolher pessoas discretas, pois geralmente os preteridos pelo testamento ficam magoados, raivosos, e conflitos de família acontecem. Evitar um fofoqueiro é sempre recomendável.
Testamenteiros
Os testamenteiros são aqueles escolhidos pelo testador para fazer com que os testamentos sejam cumpridos, que deverão após a morte do testador promover a posse dos bens da herança, requerer o inventário e dar cumprimento ao testamento, se houver herança. Todavia, se houver um herdeiro necessário, ele apenas irá promover a execução do testamento, fiscalizando o cumprimento das disposições testamentárias.
A escolha do testamenteiro é livre, será alguém da confiança do autor da herança, podendo ser herdeiro ou não, legatário, parente, amigo ou até um estranho. De preferência, escolha uma pessoa discreta, como mencionado, logo acima, quando tratei das testemunhas.
Tipos de Testamento
1.Testamento Público
Deve ser lavrado no cartório de notas, por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos.
Lavrado o instrumento, deve ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo, ou pelo testador, se o quiser, na presença das testemunhas e do oficial. Após à leitura, deverá ser assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
Poderá ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.
2.Testamento Cerrado
O testamento será escrito pelo testador, ou por outra pessoa, a seu pedido, e por aquele assinado. Será válido se aprovado pelo tabelião ou seu substituto legal, observadas as seguintes formalidades:
- que o testador o entregue ao tabelião em presença de duas testemunhas;
- que o testador declare que aquele é o seu testamento e quer que seja aprovado;
- que o tabelião lavre, desde logo, o auto de aprovação, na presença de duas testemunhas, e o leia, em seguida, ao testador e testemunhas;
- e que o auto de aprovação seja assinado pelo tabelião, pelas testemunhas e pelo testador.
O testamento cerrado pode ser escrito mecanicamente, desde que seu subscritor numere e autentique, com a sua assinatura, todas as paginas.
O tabelião deve começar o auto de aprovação imediatamente depois da última palavra do testador, declarando, sob sua fé, que o testador lhe entregou para ser aprovado na presença das testemunhas; passando a cerrar e coser o instrumento aprovado.
Se não houver espaço na última folha do testamento, para início da aprovação, o tabelião aporá nele o seu sinal público, mencionando a circunstância no auto.
3.Testamento Particular
O testamento particular poderá ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. Quando escrito de próprio punho, deverá ser lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas.
Quando elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o assinarão.
Morto o testador, publicar-se-á em juízo o testamento, com citação dos herdeiros legítimos.
Se as testemunhas estiverem de acordo sobre em quais circunstâncias o testamento foi lavrado e sobre qual a vontade do testador, ao menos, sobre o conteúdo da sua leitura perante elas, e se reconhecerem as próprias assinaturas, assim como a do testador, o testamento será confirmado. Isso é um problema para esse tipo de testamento, o tempo passa, e com frequência as pessoas não se lembram nem do ano em que o testamento foi realizado.
Se faltarem testemunhas, por morte ou ausência, e se pelo menos uma delas o reconhecer, o testamento poderá ser confirmado, se, a critério do juiz, houver prova suficiente de sua veracidade.
Em circunstâncias excepcionais declaradas no próprio documento, o testamento particular de próprio punho e assinado pelo testador, sem testemunhas, poderá ser confirmado, a critério do juiz.
Nessas circunstâncias, se for fazer um testamento, recomendo optar pelo testamento público.