Eu nasci há quase 50 anos na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. Criado por uma avó machista e um avô tropeiro mais machista ainda. Com cinco irmãos e rodeado de primos, nunca tive tempo – nem incentivo – para pensar sobre as diferenças no tratamento entre homens e mulheres.
Com 17 anos fui morar em Porto Alegre. Entrei na faculdade, arrumei emprego, aproveitei a vida com irmãos e amigos que me ajudaram a moldar minha visão de um mundo masculino, feito para ser gerido e usufruído pelos homens.
Mas minha vida de homem branco heterossexual, que desdenha do “mimimi feminista”, começou a mudar em 27 de setembro de 1997. Neste dia eu fiquei com minha melhor amiga.
A Gabriela era diferente das outras gurias. Ela me colocava no meu lugar. Como faz até hoje, debochava dos meus defeitos reais e inventados. Fazia festa como ninguém e sempre tinha opinião sobre tudo, discutindo durante horas com qualquer um que, desavisado, lhe desse corda.
Tenho que admitir que demorei a admitir que estava gostando daquela mulher que não se enquadrava nos moldes que eu conhecia. Eu tinha sido criado para namorar as debutantes do Clube Comercial e estava me apaixonando por uma versão (muito) melhorada de mim mesmo.
Acho que foram uns dois ou três anos de idas e vindas até eu me dar conta de que nunca seria feliz com outra pessoa. Reorganizei minhas prioridades, revi quais eram os meus valores e quais tinham sido impostos pela minha criação, pedi um milhão de desculpas e aceitei bem feliz quando fui “pedido em casamento”.
E, desde então, todo dia eu ganho lição de como não ser machista e, principalmente, de como ser feminista. No começo, eu achava que era tudo exagero dela, uma pessoa bem superlativa em suas indignações, mas que ainda não tinha um discurso organizado.
Com o passar do tempo, ela foi lendo sobre feminismo e me apresentado a ideias e conceitos que deixavam claro o quanto era difícil ser mulher em um mundo feito para os homens ganharem no final do dia. Lembro até hoje quando ela descobriu que o cúmulo do deboche na minha empresa era chamar alguém de “mulherzinha”. Ouvi um sermão de horas sobre como esse discurso diminuía a condição de mulher, associando o feminino à fraqueza e falta de coragem.
Foi um processo longo e penoso para ela, que estava disposta a transformar um ogro em ser evoluído. Nesta jornada, é claro que pisei na bola dezenas de vezes, mas entendo que estou melhor a cada dia. Consigo reconhecer meus próprios comportamentos machistas e deixei de defendê-los com argumentos pífios ou mesmo com meu humor de botequim, mas também estou atento a situações alheias ao meu controle.
Nesta semana – e por isso estou escrevendo este artigo -, percebi como, depois de 25 anos de educação antimachista, já consigo ver algumas coisas sozinho.
Em primeiro lugar, conversei com duas colegas que admiro muito. Elas são profissionais que estão inseridas em um mercado naturalmente hostil e competitivo, onde o fato de ser mulher define uma matriz enorme de elementos.
Uma delas é uma executiva incrível, mas que vem sendo tachada de “reclamona e implicante”. O problema não é o comportamento dela, mas o fato de ser mulher. Já vi ela em ação, assim como seus colegas homens, que podem agir da mesma forma sendo elogiados como “críticos e persistentes”.
A outra executiva, ao sair de um relacionamento tóxico, jogou às favas uma criação tradicional e desbundou. Ela é jovem, paga as próprias contas, é extremamente competente e profissional. Mas, enquanto um homem com a mesma atitude seria “festeiro”, ela está sendo criticada por seu estilo de vida “lamentável e desnecessário”.
Em outro momento, vendo a cobertura da Copa do Mundo de Futebol, percebi a comoção em torno do fato do Cristiano Ronaldo ter sido o primeiro jogador a marcar em 5 copas. Dias depois, a errata. Marta foi o primeiro jogador a alcançar essa marca. Mas o metrossexual português mais famoso do mundo, já tinha levado a fama sem ter que ver uma manchete com um “primeiro homem a”.
Enfim, se a Gabriela conseguiu fazer com que aquele imbecil de São Borja veja isto sem nem um peteleco na nuca como incentivo, o mundo tem salvação. E o futuro será não apenas feminista, mas feminino.
PS: Sim, eu me acho feminista. Mas a Gabriela não concorda. Segundo ela, eu sou tão feminista quanto surfista. #entendedoresentenderao