Jovens transpirando hormônios se encontram para um final de semana em uma cabana longe da civilização. Sexo, drogas, bebidas e rock and roll. A chave da cabana alugada está em um posto de gasolina abandonado, onde um velho caolho de macacão coleciona animais empalhados.
A fumaça da maconha embaça o vidro da Kombi que percorre a estrada de chão até chegar na casa de madeira localizada na beira de um lago.
O mais descolado da turma desce do veículo, fica de cuecas e vai pra água. Logo em seguida é imitado pelos demais.
O lago se agita com algazarra dos corpos juvenis seminus. A gordinha nerd, que desde o começo achou uma péssima ideia ir no passeio, mas acabou cedendo para agradar o grupo, carrega sozinha as mochilas pra dentro da cabana.
A noite cai e o rapaz forte pega o machado e vai buscar lenha pra lareira.
Sente-se observado enquanto recolhe a madeira, mas deduz que isso é efeito da maconha.
Procurando uma vela, os jovens descobrem um alçapão que leva pro sótão e lá um livro com capa que parece ser feita de pele humana, um grande cadeado e escritos antigos. A nerd reconhece que se trata de uma língua morta que diz, em resumo, que não devem abrir o livro sob hipótese alguma.
Em minutos, os jovens embriagados iniciam a leitura, sons estranhos começam a vir da rua, e a menina loira começa a agir estranhamente…
Como nos filmes de terror, de tempos em tempos alguém ou alguma coisa abre portais permitindo que as feras irracionais controlem ações e destinos.
Feras que dormem nos cantos menos iluminados das almas. Tão discretas que às vezes passam desapercebidas pelos próprios donos. Mas eles sabem que elas estão lá. Quando olham a escuridão; a escuridão os encara; sentem-se acolhidos, confortam-se naquela respiração familiar do filho diferente.
Não teriam sido elas que, em uma Espanha fraterna, de uma hora para outra, fizeram vizinhos se emboscar em uma Guerra Civil? Que manipularam os tão católicos castelhanos a fuzilar freiras através de fake News que igrejas estariam distribuindo doces com veneno pras crianças franquistas, ou que os campanários tinham sido cedidos para franco atiradores republicanos? Em um estalar de dedos, seu colega de mesa se tornou seu inimigo e o estrangeiro na trincheira seu melhor amigo.
Na Alemanha, elas controlaram os cidadãos de bens arianos que apedrejaram as lojas que até pouco tempo frequentavam, espancaram os antes simpáticos professores dos seus filhos. Lá também abusaram das mentiras: os judeus não teriam lutado na 1ª Guerra e, como sindicalistas, haviam sabotado as armas e munições que iam pro front e, quando a derrota veio, concentravam toda a riqueza que havia sobrado em um país arrasado e humilhado.
Elas também se apoderaram de Mussolini e seus Fasci de Combatimento pra destruir jornais e espancar socialistas pelas ruas de Milão.
Então nos deparamos com nossos conhecidos pedindo golpe de estado, esbofeteando repórteres, acreditando que o Lula não tomou posse, tentando invadir delegacias, colocando bombas em aeroportos e/ou crendo que o indefectível Gal. Benjamin Arrola assinou prazos fatais para o Alexandre de Moraes. De novo elas.
Por causa delas, você nunca viu como um doido varrido aquele vizinho atencioso que se oferecia pra cuidar da sua casa quando ia pra praia, o médico competente que cuidou de você na doença ou o colega de trabalho parceiro de cervejada.
Nos casos estrangeiros, existia uma complexa configuração permeada pelo fim das monarquias, surgimento do socialismo, ressentimentos da 1ª Guerra, fome extrema e desesperança.
No Brasil, o segundo governo Dilma foi um fracasso cujas bases já haviam sido lançadas no seu primeiro mandato. Acontece que, o que mais ela fez, foi destruir as conquistas do próprio governo Lula, não deixou o país em uma situação pior do que o PT tinha encontrado. Perto dos governos Sarney, Collor e Bolsonaro, Dilma Rousseff foi uma Margaret Thatcher dos trópicos.
“-Ain, e a corrupção? O gerente da Petrobrás devolveu quase R$ 300 milhões!” É verdade, assim como é verdade que Pedro Barusco recebia propina desde muito antes do primeiro governo do PT, segundo seu próprio depoimento, então não venham com esse papo que a esquerda inventou a corrupção, apesar de ter sabido muito bem manejá-la.
“-Mas e a peça de teatro com um cara com o dedo no toba do outro?” Ahã, bons mesmos eram os filmes que você via em canal aberto nas madrugadas da Bandeirante, as revistinhas pornô de quadrinhos e os contos eróticos da Ele Ela: “-Sem se fazer de rogado, penetrou-a com seu mastro duro”. Mas, claro, o que vai destruir a ilibada família brasileira de classe média é uma porra de uma peça de teatro que passou na casa do caralho para meia dúzia de almas penadas durante o governo do PT.
“-E as drogas nas Universidades Federais?” Claro, na PUC de Porto Alegre, universidade católica, os alunos se reuniam pra tomar chá atrás do Prédio da Odontologia e recitar Baudelaire nos anos 90: “Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada, não bordaram ainda com desenhos finos, a trama vã de nossos míseros destinos, é que nossa alma arriscou pouco ou quase nada”. A propósito, se bobear quem colocou isso no grupo do zap foi o Zé Trovão entre um raio e outro de pó.
As feras das Tias do Zap se soltaram muito fácil. Estavam amarradas por um fio de cabelo em um pé de Dente-de-Leão, nem precisou abrir o livro amaldiçoado para elas saírem metendo o terror. Não houve guerras, nem tragédias humanas, tampouco ideologias radicalizadas. As feras em questão mal e mal eram escondidas, se tanto tinham uma toca na área de serviço e passeavam de manhã cedo na frente do prédio da Barata Ribeiro. O tesão fascista sempre rondou as madrugadas insones das pensionistas solteiras de militares, saudosas de um tempo inexistente, procurando a pureza que jamais passou sequer perto das suas vidas desgraçadas.
E lá se vão as Tias e os Tios do Zap, com a empáfia típica da Casa Grande, que na realidade sempre foi um apartamento de classe média financiado pelo BNH, empunhando a bandeira da meritocracia, depois de terem a vida garantida por uma alguma pensão ou aposentadoria do Estado, ou sofrendo atrás da direção de um Uber com o diploma de medicina no porta-luvas, pra mais um dia na frente do quartel lutar contra o comunismo…
Talvez se os jovens fizerem um pentagrama com sangue de virgens no chão da cabana e de mãos dadas repetirem “civilização” dez vezes, consigam fechar o portão infernal e libertar da maldição as pobres tias do zap (se der errado, então que pelo menos consigam a liberação dos bingos e 90% dos problemas estarão solucionados).