Nos últimos dias tenho vivido uma mistura tão grande de emoções que não consigo encontrar assunto para escrever aqui.
De início, uma sofreguidão para entender e absorver o que estava acontecendo, uma sensação de fim de mundo, frente à TV, escutando rádio, lendo as notícias que chegavam pela internet e pelas redes sociais, de preferência tudo de uma só vez. Enquanto mal a gente estava entendendo, precisava salvar vidas, abrigar, acolher, cuidar. E agora, a gente começa a olhar ao redor…
Ainda há os muitos pelo Sul do Estado que estão enfrentando a enchente chegando em suas casas. Ainda há os que pelos bairros de Porto Alegre e Região Metropolitana não conseguem acessar suas casas porque a água não baixou. Ainda há aqueles que, mesmo a água tendo baixado, não tem mais casa ou o que sobrou mal tem como recomeçar.
Patrimônio, mas também muita coisa que fala ao coração e que jamais irão se recuperar, como fotos, cartões de aniversário, de Dia das Mães, objetos passados de geração em geração que se foram.
Quando se conversa com uma pessoa desalojada, sente-se o sofrimento profundo de cada uma. Nessa hora, independente da situação socioeconômica, entendemos que a dor é democrática. No entanto, sinto que de acordo com o perfil da pessoa, a dificuldade para retomar a vida, será maior, muuuito maior.
Qual é o nosso papel?
Pelas reportagens na mídia, sinto muita pressa em recomeçar, retomar a vida de volta. O comércio, as empresas, os empregos, as escolas… Acho legítimo. Mas teremos um mar de gente que não tem pra onde voltar. Vamos fazer o que com elas? Nestes dias começou a desarticulação de abrigos pela Capital, por diversas razões, seja por falta de voluntários, que estão precisando retomar suas atividades, seja porque escolas estão necessitando retornar as suas atividades. Fiquei preocupada com a baixa preocupação com o destino das pessoas que estavam neles. Tanto da imprensa como da própria comunidade. Ironicamente fiquei a me perguntar se isso aconteceria se os abrigos para pets fossem desarticulados…
Toda vida importa
Quando fazemos uma caminhada em grupo, há uma regra na qual o ritmo é ditado pela pessoa mais lenta, para que todos sigam juntos e ninguém se perca. Que toda vida importa não há dúvida, mas penso que essa metáfora poderia servir para a hora de pensar em quem apoiar na hora da retomada, da reconstrução: apoiar em primeiro lugar quem mais precisa, os mais vulneráveis e com maior dificuldade de refazer as suas vidas.
Com a Pandemia tivemos um aumento da população de rua em todo o Estado e, em especial na Capital, e com essa catástrofe climática há um potencial dela aumentar ainda mais.
O Rio Grande do Sul é o Estado com o maior índice de envelhecimento do Brasil e com a maior faixa etária média do país. Pense nas pessoas idosas com 70, 80, 90 anos que viviam sozinhas e que perderam casas e precisam reconstruí-las (como?) agora.
Sabemos que mulheres negras chefes de família são as mais vulnerabilizadas em situações “normais”, que dirá numa catástrofe como a que vivemos?
E quanto às famílias carentes com pessoas com deficiência e síndromes raras que também tiveram prejuízos?
Precisamos mapear, identificar e dar prioridade para essas pessoas de grupos vulnerabilizados que, nesta catástrofe, terão ainda mais dificuldade de se reconstruir.
Oportunidade de melhorar, de novo
Lembro de quando vivemos a Pandemia e dizíamos que sairíamos melhor daquela experiência. Minha percepção foi a que não conseguimos, como sociedade, atingir esse objetivo. Em especial, o de respeitar a Ciência. Esta catástrofe climática é um exemplo disso. Se tivéssemos ouvido o que pesquisadores, cientistas, especialistas haviam avisado.
Aprender com os erros
Muito tem se falado que não é hora de olhar para os culpados. Eu não gosto disso. Prefiro falar em aprender com os erros e olhar pra frente para não os repetir. Eduardo Leite afrouxou as leis ambientais? Então vamos corrigir! Sebastião Mello não fez a manutenção que devia no sistema de contenção do Muro da Mauá? Vamos aprender tudo o que precisamos para transformar nossa cidade mais segura. Conhecer para cobrar de nossos gestores públicos, de acordo com o que os especialistas (inclusive os que estão dentro do estado e da Prefeitura) orientam.
Confio
Confio que olhando para o Planeta, nossa casa, para a Ciência, que nos mostra a melhor forma de cuidar dela, e para todas as pessoas, de acordo com suas necessidades, podemos melhorar como sociedade. Espero que não precisemos passar por mais uma Pandemia nem outra Catástrofe Climática para isso.
Foto da Capa: Júlio Ferreira | PMPA
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