Ainda tenho muito vivas na memória as imagens provocativas das campanhas da Benetton nas décadas de 1980 e 1990: uma mulher negra amamentando um bebê branco, uma freira e um padre se beijando, três corações com as palavras “negro”, “branco” e “amarelo”, as duas crianças abraçadas, uma branca e outra negra, com uma sugestão de pequenos chifres pelo cabelo enrolado. Estas e tantas outras imagens vieram à minha cabeça tão logo li a notícia sobre a morte do fotógrafo italiano Oliviero Toscani.
Tocani marcou uma época e revolucionou ao integrar composições fotográficas arrojadas e provocativas nas campanhas de marketing da marca Benetton. As suas fotografias frequentemente transcendiam a mera publicidade e acabaram se tornando manifestações sociais e culturais. As imagens chocavam o público e desafiavam normas sociais e culturais da época, gerando discussões sobre preconceitos, desigualdades e tabus.
“Todas as Cores do Mundo” foi a primeira campanha assinada pelo italiano para a Benetton e mostrava um grupo sorridente de meninos e meninas de diferentes partes do mundo. O slogan “Todas as Cores do Mundo” acabou se transformando no novo nome da marca: United Colors of Benetton.
O trabalho, que começou promovendo a integração racial, logo evoluiu para temas mais polêmicos, como a guerra, a epidemia de AIDS, a pena de morte e os distúrbios alimentares, por exemplo.
Toscani era incansável ao defender que a fotografia era mais poderosa quando provocava reações. “Detesto a fotografia artística”, disse ele em uma entrevista ao afirmar que uma imagem se torna arte ao despertar interesse, curiosidade ou reflexão.
Com uma abordagem direta e incisiva, Oliviero estabeleceu um novo paradigma estético na publicidade e na fotografia.
Não era fotojornalismo e tampouco fotografia documental, mas tinha uma enorme capacidade de informar e provocar debates.
Um pouco da história da fotografia como representação e transformação da realidade
Desde a criação da fotografia por Joseph Nicéphore Niépce em 1826, a busca por representar a realidade sempre foi tema central. No entanto, se formos buscar referências em teorias como as da filósofa e crítica de arte Susan Sontag, encontramos a reflexão de que fotografia não é apenas uma representação estática, mas uma forma de “experienciar a experiência” (em On Photography,1993). Susan afirma que, desta forma, a fotografia é capaz de se tornar uma potente ferramenta social e cultural que documenta e influencia ao mesmo tempo.
Há exemplos na história da fotografia documental e do fotojornalismo que reforçam esta ideia. Trabalhos como os do fotógrafo Mathew Brady na Guerra Civil Americana, de Jacob Riis, jornalista de documentário social e também fotógrafo, sobre a pobreza urbana, e o de Dorothea Lange, que durante a Grande Depressão percorreu vários estados do Sul e Oeste dos Estados Unidos recolhendo imagens que escancaravam o impacto na vida dos camponeses, demonstram como imagens podem expor realidades duras e incitar mudanças.
Oliviero Toscani, ao utilizar a estética publicitária para tratar de temas sociais, parece ter seguido este caminho, porém de forma controversa. Ele combinou o impacto visual do marketing com a responsabilidade de expor questões éticas, sociais e políticas. Flertava com a fotografia documental, sem ser realmente tal instrumento, mas carregava a intenção explícita de provocar, criar impacto emocional e conscientizar aqueles que tivessem acesso ao seu trabalho.
Toscani frequentemente utilizava imagens cruas e muitas vezes chocantes para criar desconforto, forçando o público a confrontar temas que prefeririam evitar. Talvez seja pertinente afirmar que a obra de Toscani levantou questionamentos sobre o papel dele como fotógrafo publicitário ao assumir deliberadamente um papel mediador entre a realidade criada em estúdio, que tinha como base temas atuais da época, e o espectador, sujeito passivo, confrontado quase inadvertidamente pela mensagem disfarçada de publicidade. O seu trabalho indubitavelmente marcou uma geração.
Poderia o tiro sair pela culatra? Talvez. Ainda em uma revisão teórica, encontramos em Susan Sontag o alerta para os perigos da banalização das imagens e da desconexão emocional causadas pelo excesso de fotografias. Será que isto pode ter influenciado o legado de Toscani? Será que, ao explorar deliberadamente os limites entre a arte, a publicidade e a crítica social, ele teria rompido esta norma? Será que, ao insistir na mesma estética, esta se extinguiria? A resposta é óbvia. Mal saía uma campanha e nós, meros mortais, já estávamos ansiosos pela próxima. E também os políticos, a igreja e todos aqueles que poderiam ser alvo da crítica que viria.
Seu trabalho refletiu uma evolução na fotografia, de uma representação passiva da realidade para um meio ativo de transformação social ao cruzar as fronteiras e escancarar tabus.
“As pessoas gostam de uma realidade agradável, não querem ver a realidade tal como ela é. As pessoas dizem que as minhas fotos são ‘chocantes’, mas ‘chocante’ é a realidade que elas preferiam não ver.” – Oliviero Toscani (1942-2025)
Todos os textos de Pat Storni estão AQUI.
Foto da Capa: Campanha Todas as Cores do Mundo / Benetton