O algoritmo deu uma dentro e colocou na minha frente um trecho de uma entrevista com o Tom Jobim no programa Roda Viva da TV Cultura. O crítico musical Zuza Homem de Mello disse que as pessoas que viveram no nosso tempo, apesar de todos os problemas que esse tempo trouxe, poderão dizer que foram contemporâneas de Tom. Isso, de uma forma, seria uma espécie de compensação a todos os infortúnios.
O “maestro soberano”, como é chamado na música do Chico Buarque, falou que esses elogios ditos de maneira frontal são terríveis. A pessoa não tem nem como se esquivar. Começou respondendo que os críticos também são importantes. Comentou que os melhores conselhos musicais que recebeu foram de Mário de Andrade, através da leitura do seu livro Pequena História da Música.
A citação do poeta paulista fez Tom falar sobre sua relação com a palavra. Ele considera que tem uma atenção grande às palavras, o que o torna diferente da maioria dos músicos que conheceu. São pessoas que só pensam em música. Isso fez Tom achar que sua vocação estaria mais ligada às letras do que à música. Seu pai, como revelou, era um grande literato.
De fato, a imagem de Tom Jobim está fortemente associada a sua criação musical. Além de compor canções, tem várias peças instrumentais, com arranjos para orquestra. Sua paixão pelas obras de Villa-Lobos e de Radamés Gnatalli orienta parte de suas bases para a sua própria criação.
Mesmo na canção, é referência para a música brasileira e internacional sua parceria com Vinícius. A palavra nesse caso está a cargo do poetinha. As notas e harmonias estão a cargo de Tom.
Mas há uma outra face da sua produção que passa às vezes não tão percebida diante de tanta exuberância musical. São as canções compostas com letra e música de Tom Jobim. Nelas, podemos ver e ouvir todo seu cuidado e talento com as palavras.
Algumas pérolas da sua lavra: Luíza – “Rua, espada nua/boia no céu imensa e amarela/tão redonda a lua/como flutua/vem navegando o azul do firmamento/e no silêncio lento um trovador cheio de estrelas/escuta agora a canção que eu fiz pra te esquecer, Luíza…”; Águas de Março – “É pau, é pedra, é o fim do caminho/é um resto de toco/é um pouco sozinho…”; Ângela – “Ângela, por que tão triste assim agora/e tudo quanto existe chora/teu rosto na janela daquele avião/lá embaixo a terra é um mapa/que agora uma nuvem tapa…”; “Samba do Avião – “Minha alma canta/vejo o Rio de Janeiro…”; Ana Luiza – “Supõe, Ana Luíza/se a guarda cochila eu posso penetrar no castelo/e galgar a muralha de onde se divisa/o vale, os prados, os matos, os montes/as flores, as fontes, Luíza…”; Chovendo na Roseira – “Olha/está chovendo na roseira/que só dá rosas mas não cheira/a frescura das gotas úmidas/que é de Betinho, que é de Paulinho, que é de João/que é de ninguém…”; Corcovado – “Um cantinho, um violão/este amor, uma canção/pra fazer feliz a quem se ama…”; Este seu olhar – “Este seu olhar/quando encontra o meu/fala de umas coisas que eu não posso acreditar…”; Triste – “Triste é viver na solidão/na dor cruel de uma paixão/triste é saber que ninguém pode viver de ilusão/que nunca vai ser, nunca vai dar/o sonhador tem que acordar…”; Wave – “Da primeira vez era a cidade/da segunda o cais e a eternidade…”; Gabriela – “Chega mais perto, moço bonito/chega mais perto meu raio de sol/a minha casa é um escuro deserto…”; Matita Perê – “Um tal de Chico Antônio/num cavalo baio que era um burro velho/que na barra fria já cruzado o rio/lá vinha Matias cujo nome é Pedro/aliás Horácio, vulgo Simão…”.
Como o grande compositor que Tom Jobim é, a relação entre as palavras e os outros elementos da música constroem também significados sonoros que só existem quando as canções são cantadas e tocadas. A palavra existe para ele como elemento musical. Não queira ler suas letras sem cantá-las. Cante e tudo se completará.
Mais textos de Ricardo Silvestrin: Leia Aqui.