Quando surgem “novas tendências” é importante a gente se perguntar: “de onde vem e a quem favorece?” O movimento “Tradwife” (esposa tradicional) vem dos EUA, isto já passa uma certa credibilidade e uma ideia de que logo se tornará uma tendência mundial, como quase tudo que vem de lá. Mas o que mesmo significa nos dias de hoje uma esposa tradicional? Segundo a revista Time, é um modelo de família em que o homem sai de casa, trabalha e sustenta a família. Já a mulher fica cuidando da casa e dos filhos, se houver.
Alguém poderá pensar que se trata de uma escolha de cada casal e que ninguém está forçando as mulheres a isto. Este é o grande engano. Nas redes sociais, aparece como um “acordo do casal”, mas a origem deste movimento está ligada às correntes religiosas ultraconservadoras que ainda hoje não aceitam que a mulher assuma papéis relevantes na sociedade. Na reportagem da Time é dito que existe sim o desejo de que isto não seja uma escolha. Políticos influentes têm se manifestado neste sentido, bem como juízes de estados conservadores que desejam realizar retrocessos, como proibir o divórcio. É importante lembrar que o estupro conjugal não era considerado crime em todos os 50 estados dos EUA até 1993. Somente na década de 1970 as mulheres casadas tiveram o direito de obter cartão de crédito separadas de seus maridos. Muitas conquistas das mulheres são bem recentes e ainda não são bem aceitas pela sociedade conservadora.
A revista British Vogue publicou um experimento feito por uma trabalhadora que vive em Paris, mãe de duas crianças, que por uma semana viveu como uma esposa tradicional e divulgou o seu diário. Ela diz que, se a sua filha manifestar interesse em ser uma esposa tradicional, ela fará tudo para levá-la em outra direção e questiona: “… que pessoa escolheria ficar em segundo plano em relação ao seu parceiro se tivesse outra opção?”
A matéria da Vogue diz que existem manuais de instruções para as que desejam seguir este estilo de vida e, entre as dicas, estão: “Seja a maior fã do seu marido”, “Nenhuma lei pode mudar o que é o casamento”, “A cultura diz que o casamento é escravidão moderna, mas nunca me senti mais livre”.
A revista britânica cita o caso da TikToker @GwenTheMilkmaid, que em um dos seus vídeos diz: “Sou só eu ou a maioria das mulheres hoje em dia está completamente cega para o fato de que o estilo de vida promíscuo, a pornografia, os múltiplos parceiros, a pílula anticoncepcional, o sexo antes do casamento e tudo o mais que o mundo glorifica hoje está, na verdade, nos destruindo? Proteja a feminilidade do jeito que Deus a criou para ser.” Numa legenda, Gwen complementa: “Olhando para trás, não consigo acreditar o quão sem noção eu era […] Então, esta é uma mensagem para todas as jovens por aí. Nossa cultura está mentindo para vocês.”
E no Brasil, como está esse movimento? Segundo o Portal G1, a TikToker paulistana Luiza Panucci, com 30 mil seguidores, mostra a sua rotina, que ela denomina de “esposa troféu”. Suas postagens dão dicas de beleza, moda, exercícios, passeios, cozinha, decoração e arrumação da casa. Já a gaúcha Luiza Maciel, com 330 mil seguidores no Instagram, diz que: “Uma mulher que escolhe ficar em casa servindo à sua família não está desperdiçando o seu potencial”.
A reportagem do G1 traz o depoimento de Alice Bianchini, uma especialista em violência de gênero, que alerta para a romantização de ideais retrógrados: “O que chamam de esposa tradicional, na verdade, é uma esposa antiga, porque a esposa tradicional hoje não cumpre esse papel.” Ressalta ainda que algumas influenciadoras estão usando estes conteúdos por interesses econômicos, ou seja, não necessariamente que estejam identificadas com a causa, mas para ganhar seguidores e faturar.
A especialista Bianchini cita o caso de uma mulher de 73 anos que passou 41 anos casada e exclusivamente dedicada ao trabalho doméstico. Na separação, ela conseguiu uma pensão, pois foi considerada a impossibilidade de recomeçar a vida profissional nesta idade. A divisão patrimonial nestes casos costuma ser prejudicial às mulheres.
É preciso diferenciar as mulheres que resolvem reduzir sua carga horária, tirar um período sabático ou trabalhar home office, das que optam por abrir mão de fazer uma formação profissional ou das suas carreiras para serem dependentes financeiramente dos seus maridos. Este é o primeiro passo para se tornar “fã do seu marido” e fazer de tudo pela “harmonia do lar”. Quando existe dependência, os conflitos tendem a ficar debaixo do tapete. Acredito que cabe sim aos casais estabelecerem os seus acordos, mas as relações serão mais maduras e estáveis se houver companheirismo, respeito e que exista liberdade de escolha para permanecer ou não juntos.
Referências:
– Revista Time – The Truth About the Past That ‘Tradwives’ Want to Revive
– Revista British Vogue – I Lived The “Trad Wife” Life For A Week. This Is What It Taught Me
– Portal G1 – ‘Tradwife’: Quem são as mulheres que fazem sucesso mostrando rotina de dedicação exclusiva ao lar
Foto da Capa:
Todos os textos de Luis Felipe Nascimento estão AQUI.